
Tirei um tempo para me desconectar
Deixei todo o ruído para trás:
Facebook, Twitter, Youtube e Whatsapp
Usei as pernas como meio de transporte
Barthes diria que andar é o gesto mais humano
“Me levem. Quero viver”
No caminho, as árvores estavam verdes
Havia flores lilases e amarelas
Eu sequer tinha visto os botões
Deve ser porque passo aqui de ônibus
E, do banco, o olhar é preto e branco
Lembro que, na infância, passeava em parques
Hoje, vago e gasto em shoppings
Lá, qualquer moeda tem poder
Pensei em entrar na galeria do bairro
Mas as pernas seguiram resistindo
Por que os olhares são vazios?
Alguns assistem ao cabelo da moça
Como se o julgamento estivesse pronto para ser emitido
Antes mesmo que a informação pudesse ser processada
Será que também sou assim?
E a reflexão toma conta de mim
A sensação de que nunca andei sozinha é descabida
Vou e volto, dia e noite, com e sem medo
Mas agora vejo em cores
Não só ouço, mas escuto
Me escuto
O medo de errar te modifica
e te transforma em outro alguém
Abandona o receio aqui nessa esquina
Vai e vive sua vida
É muito cedo para ceder e só sobreviver
Deixei todo o ruído em casa
Resisti ao mundo e respondi aos meus estímulos
Pedi para ser desconectada e falhei
Me conectei a mim
Este poema foi escrito com base nos textos Elogio del Caminar, de David Le Breton, Caminhar na Cidade. Experiência e representação nos caminhares de Richard Long e Francis Alys; depoimentos de uma pesquisa poética; de Beatriz Falleiros Rodrigues Carvalho, em entrevista de David Le Breton para Diario de Sevilla e em relatos de caminhantes por São Paulo.

Não reclame não se arrisque ande na linha na moda siga o padrão a maioria viva conectado engula suas vontades esconda sua maneira de agir falar e pensar escute apenas o que toca nas rádios consuma tudo o que é anunciado na TV e em outras telas consuma consuma consuma.
Assim mesmo. Sem respiro.
Com tantas normas, costumes e consensos pré-estabelecidos, romper verdades tidas como absolutas não é das tarefas mais simples. Existem os julgamentos, o sentimento de não-pertencimento, o conflito por se sentir inadequado. No entanto, transgredir faz parte do desenvolvimento de cada indivíduo, da formação de identidade. E para alguns, tampouco é uma alternativa, mas a única forma de existir em plenitude – ou ao menos tentar.
Os atos transgressores podem ser extremos como queimar dinheiro. Mas também sutis e cotidianos. Esta edição do claro! é dedicada a estes últimos, às histórias dos que rompem dia após dia, à sua maneira, com aquilo que é esperado e aceito pela maioria.
Não pretendemos condenar ou mesmo menosprezar quem está a favor da corrente – não se precipite! –, apenas compartilhar as narrativas daqueles que nadam contra ela. A transgressão é um caminho de luta, muitas vezes, solitária. Não é fácil, sabemos. Ainda assim, aqui, segue um lembrete: em tempos cada vez mais tenebrosos, se sentir que quer ou precisa, não hesite, transgrida!

Em um país com tantas variedades linguísticas como o Brasil, quem utiliza a palavra como meio de produção cultural pode encontrar nisso um modo de resistir aos padrões impostos e lutar pelo direito de falar à própria maneira.
Embora seja apenas um exemplo entre diversas possibilidades, o rap é a primeira manifestação artística que vem à cabeça quando o assunto é preconceito linguístico. Conhecido por denunciar a realidade periférica e a desigualdade social no Brasil, o gênero musical também pode servir como um meio de afirmação da identidade de quem o produz.
É um ato de celebração da própria cultura, como afirma o rapper independente Wladinir Gomes, que utiliza o nome artístico ONNI: “o Hip Hop carrega nas suas raízes a responsa de criar um espaço para que possamos ser livres sendo quem somos.” E essa liberdade se materializa também na expressão oral que enfrenta preconceitos que, segundo ele, funcionam como um dos escudos da elite burguesa e são tidos como uma forma de deslegitimação do povo.
Essa afirmação é reforçada pelo sociolinguista Marcos Bagno, professor no Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB) e autor de diversos livros sobre preconceito linguístico. Para ele, o preconceito contra variedades linguísticas menos prestigiadas decorre do preconceito social já existente contra as pessoas que as utilizam. “Essas variedades são menos prestigiadas porque não são faladas pela reduzida minoria branca urbana de classe média. O que não pertence a essa minoria é visto sempre como errado, feio, ridículo, etc.”
E se “falar errado” for o problema, ONNI deixa o recado: “antes falar errado do que pensar errado, que é um dos sintomas do preconceito.”