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Desenterrei a mim mesma, dez anos depois

 

Por Mara Matos

 

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre

Milana Prôa tinha apenas treze anos quando assistiu a uma reportagem no Fantástico sobre um grupo de jovens abrindo a cápsula do tempo que tinham feito há dez anos. O fascínio típico da pré-adolescência ao ver algo e pensar “também quero isso” a fez seguir o mesmo caminho e confeccionar a sua própria.

Cápsulas do tempo são memórias intencionais, como define o arqueólogo Jedson Cerezer. Civilizações da “pré-história” e os faraós no Egito Antigo já faziam isso de deixar objetos e/ou documentos de relevância e que foram revisitados no futuro para marcar sua passagem neste mundo.

Cerezer defende que esse conceito de cápsula do tempo é contemporâneo. Parte-se da vida humana, daquele momento, daquele recorte histórico, daquele determinado lugar, tornando a experiência mais restrita.

Milana estava decidida a fazer sua própria cápsula do tempo, quem sabe em um resgate de tradições, mesmo que não premeditado. Pegou uma caixa de sapato e colocou tudo que lhe era importante naquele momento. Fotos das amigas de escola, da família, dinheiro, uma documentação de quais eram seus artistas e filmes favoritos e até seu endereço e telefone.

Processo muito semelhante aconteceu com Laressa Lunardelli e seus amigos da escola. Para eles o estalo veio quando decidiram assistir a um filme. Além de objetos pessoais, mechas de cabelo e fotos deles, também deixaram até uma carta para seus “eu” do futuro lerem quando abrissem.

Laressa (ao centro) e seus amigos na época em que fizeram a cápsula e atualmente

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre

A atribuição de carga emocional a objetos pessoais é absolutamente comum, como explica a psicóloga Lilian Barbosa. A memória afetiva é transferida para esses, que são chamados de objetos transacionais.

É fácil encontrar crianças carregando um objeto específico, como um paninho, para onde ela transfere a carga emocional que foi desenvolvida no começo da vida para com a mãe ou pessoa principal em seu cuidado. É daí que vem essa emoção, que se reflete também na vida adulta.

Depois de feita a cápsula, de deixar ali seus objetos e um pedacinho de você, o que sobra é ansiedade. Ansiedade que sempre é grande e maior nos primeiros dias. De tanta ansiedade, Milana decidiu colocar a sua na parte mais funda do armário, para esquecê-la. Depois de abrir a cápsula, ela ficou muito nostálgica. Seus problemas, amigos e rotina eram diferentes, morava com outras pessoas…

Esse movimento de olhar para o passado proporciona uma percepção mais atualizada das experiências e transformações que aconteceram, através da psique atual, segundo Lilian Barbosa. A experiência pode ser considerada até mesmo terapêutica, já que voltar os olhos para o passado, muitas vezes é o próprio processo da psicoterapia.

Laressa e os amigos se deram conta de que nunca seriam os mesmos no decorrer da vida. Os pensamentos mudam a todo momento pelos aprendizados. De tudo, ela ainda tenta aceitar que não é possível criar muitas expectativas, já que nas cartas ao apostarem o que aconteceria no futuro erraram feio.

Através desse processo, é possível refazer o caminho passado e tocar naquilo que ainda não está bem resolvido no presente, assim desenvolvem-se os recursos emocionais para ultrapassar os percalços e mudar os sentimentos sobre o que foi vivido.

Colaboradores:
Jedson Cerezer, mestre em Arqueologia Pré-histórica e Arte Rupestre
Laressa Lunardelli Franchini, 25 anos, body piercer
Lilian Barbosa, 69, psicóloga especializada em psicoterapia reichiana e terapia cognitivo
comportamental.
Milana Prôa, 24 anos, artista

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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