Veja a edição online completa do claro! ampulheta aqui.
Expediente — Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior. Diretora da ECA-USP: Brasilina Passarelli. Chefe do departamento: Luciano Maluly. Professora responsável: Eun Yung Park. Editores de conteúdo: Ana Carolina Guerra e Mateus Dias. Editoras de arte: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre. Editores online: Aldrey Olegario e Matheus Nascimento. Repórteres: Bruno Miliozi, Cadu Everton, Filipe Narciso, Iasmin Rodrigues, Isabella Marin, Luana Machado, Lucas Zacari, Mara Matos, Mariana Marques, Pedro Ferreira, Pedro Guilherme Costa, Rebeca Alencar, Sarah Lídice, Theo Sales e Vinicius Machuca. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05508-020. Telefone: (11) 3091-3121. O Claro! é um produzido pelos alunos do quinto semestre do curso de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso – Suplemento.
Editorial | O último grão
 
Por Ana Carolina Guerra e Mateus Dias
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Tentamos sempre fazer com que o tempo corra a nosso favor, incessáveis, sempre reagindo à sua passagem. Seja quando esperamos ele agir sobre uma bebida ou quando nos revoltamos que não temos uma hora a mais para dar conta de tudo.
Mas o que não queremos entender é que nosso tempo não é como um relógio num ciclo sem fim, repetindo horas e minutos. Ele é uma ampulheta que somos incapazes de virar e começar de novo.
Nesse eterno cabo de guerra contra o tempo, somos apenas uma criança tentando com todo o afinco segurar as areias do tempo com uma peneira. Entretanto o resultado é sempre o mesmo, todos os grãos de areia caem.
Nessa luta sem fim, mais que tentamos revirar a ampulheta e fazer areia ir no sentido contrário, mais fácil fica de deixar ela cair na ânsia por só mais um grãozinho. E como está a sua ampulheta agora?
Quanto tempo temos?
 
Por Iasmin Cardoso e Sarah Lidice
 
Pisamos em um planeta repleto de recursos, inclusive essa pequena quantidade de areia, que traz consigo a história da vida durante os mais de 4,5 milhões de anos de surgimento da Terra. Na maior parte desse período ela soube enfrentar inúmeros problemas, se adaptar com o tempo e sofrer com extinções em massa. Entenda porque estamos sendo afetados mais do que nunca pelas mudanças climáticas causadoras do aquecimento global e problemas ambientais na reportagem visual de Iasmin Cardoso e Sarah Lídice.
Desenterrei a mim mesma, dez anos depois
 
Por Mara Matos
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Milana Prôa tinha apenas treze anos quando assistiu a uma reportagem no Fantástico sobre um grupo de jovens abrindo a cápsula do tempo que tinham feito há dez anos. O fascínio típico da pré-adolescência ao ver algo e pensar “também quero isso” a fez seguir o mesmo caminho e confeccionar a sua própria.
Cápsulas do tempo são memórias intencionais, como define o arqueólogo Jedson Cerezer. Civilizações da “pré-história” e os faraós no Egito Antigo já faziam isso de deixar objetos e/ou documentos de relevância e que foram revisitados no futuro para marcar sua passagem neste mundo.
Cerezer defende que esse conceito de cápsula do tempo é contemporâneo. Parte-se da vida humana, daquele momento, daquele recorte histórico, daquele determinado lugar, tornando a experiência mais restrita.
Milana estava decidida a fazer sua própria cápsula do tempo, quem sabe em um resgate de tradições, mesmo que não premeditado. Pegou uma caixa de sapato e colocou tudo que lhe era importante naquele momento. Fotos das amigas de escola, da família, dinheiro, uma documentação de quais eram seus artistas e filmes favoritos e até seu endereço e telefone.
Processo muito semelhante aconteceu com Laressa Lunardelli e seus amigos da escola. Para eles o estalo veio quando decidiram assistir a um filme. Além de objetos pessoais, mechas de cabelo e fotos deles, também deixaram até uma carta para seus “eu” do futuro lerem quando abrissem.
Laressa (ao centro) e seus amigos na época em que fizeram a cápsula e atualmente
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
A atribuição de carga emocional a objetos pessoais é absolutamente comum, como explica a psicóloga Lilian Barbosa. A memória afetiva é transferida para esses, que são chamados de objetos transacionais.
É fácil encontrar crianças carregando um objeto específico, como um paninho, para onde ela transfere a carga emocional que foi desenvolvida no começo da vida para com a mãe ou pessoa principal em seu cuidado. É daí que vem essa emoção, que se reflete também na vida adulta.
Depois de feita a cápsula, de deixar ali seus objetos e um pedacinho de você, o que sobra é ansiedade. Ansiedade que sempre é grande e maior nos primeiros dias. De tanta ansiedade, Milana decidiu colocar a sua na parte mais funda do armário, para esquecê-la. Depois de abrir a cápsula, ela ficou muito nostálgica. Seus problemas, amigos e rotina eram diferentes, morava com outras pessoas…
Esse movimento de olhar para o passado proporciona uma percepção mais atualizada das experiências e transformações que aconteceram, através da psique atual, segundo Lilian Barbosa. A experiência pode ser considerada até mesmo terapêutica, já que voltar os olhos para o passado, muitas vezes é o próprio processo da psicoterapia.
Laressa e os amigos se deram conta de que nunca seriam os mesmos no decorrer da vida. Os pensamentos mudam a todo momento pelos aprendizados. De tudo, ela ainda tenta aceitar que não é possível criar muitas expectativas, já que nas cartas ao apostarem o que aconteceria no futuro erraram feio.
Através desse processo, é possível refazer o caminho passado e tocar naquilo que ainda não está bem resolvido no presente, assim desenvolvem-se os recursos emocionais para ultrapassar os percalços e mudar os sentimentos sobre o que foi vivido.
Colaboradores: Jedson Cerezer, mestre em Arqueologia Pré-histórica e Arte Rupestre Laressa Lunardelli Franchini, 25 anos, body piercer Lilian Barbosa, 69, psicóloga especializada em psicoterapia reichiana e terapia cognitivo comportamental. Milana Prôa, 24 anos, artista
Mente e prazer
 
Por Isabela Marin
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Tic-tac. O relógio de cuco bate meio-dia.
Ouço de fundo os ponteiros batendo no relógio. Será que realmente tranquei as portas? Toque, afago, sintoum queimar começando aos poucos. Uma saudade, há quanto tempo não era tocada desta forma. Ainda que o impulso de me desprender e viver o momento tome cada vez mais forma dentro de mim, avisos latejantes batem no fundo de minha mente.
Tic-tac. É meio-dia e um.
A comida está por fazer, vou ter que ser rápida. Hoje as tarefas do trabalho vão tomar toda a tarde. Uma pequena angústia se instala. Saco! De novo esses pensamentos atazanando as raras oportunidades que encontramos para nós. O estresse tem me atrapalhado constantemente na concentração, são apitos insistentes na minha mente, quando não são os incômodos com ele.
Tic-tac. É meio-dia e dois.
Os ponteiros continuam batendo. Os sons do cuco estão me enlouquecendo.
Costumava gostar tanto desse estímulo, o que está acontecendo? Sinto que estou demorando, ele irá ficar cansado. Se concentra! Esconda suas expressões! Mas, talvez, se fosse um pouco mais para a minha esquerda e ritmado, será…
Tic-tac. É meio-dia e três.
Inspiro e expiro pausadamente para retornar ao presente. Uma calma volta aos poucos para meu peito, que agora briga com uma onda de calor que vem de dentro. Respiro e acompanho lentamente essas sensações. Vou sentindo a perda das paredes que antes me sustentavam nesse embate consciente comigo mesma. Estou me sentindo viva, ao mesmo tempo que todo meu corpo está entrando em uma onda inebriada. Sim, quem sabe voltei aos ponteiros exatos do meu relógio.
Tic-tac. É meio-dia e quatro.
A onda que me queima bate tão depressa como se vai. Minha mente volta a martelar. A preocupação com a performance agora deixa meu peito frio e a cabeça quente, correndo com possibilidades e alternativas de poses. Como foi que fiz na última do mês passado mesmo? Tente lembrar…
Puff, sozinha as coisas são tão mais fáceis. Talvez na próxima dê, quem sabe.
Tic-tac. Tic-tac.
Já não conto mais o tempo. Os ponteiros me entretêm enquanto espero acabar. Como a sexóloga da TV pode falar que o sexo é um interlúdio criativo? Como desligar minha atenção e objetividade nesses momentos? Ideias dançam na minha cabeça…Talvez eu deva voltar a falar mais com ele sobre o que gosto, o que quero. Mas depois de tanto tempo juntos, faz sentido, será?
Tic-tac. O cuco canta.
Quem sabe na próxima.
Colaboraram:
Carolina Degani, terapeuta sexual. Guilherme Conde, psicanalista, professor e jornalista. Virginia Gaia, sexóloga holística.
Vida Apressada
 
Por Pedro Guilherme e Rebeca Alencar
 
Correr para chegar a tempo, para entregar as tarefas. Tudo isso tem um preço. A sensação de que o tempo que temos nunca será suficiente às vezes pode nos influenciar a tomar decisões que implicam diretamente em nosso bem estar. Veja os dilemas da vida apressada nesta reportagem para o Claro! ampulheta.
De volta para o presente
 
Por Bruno Miliozi e Lucas Zacari
 
Nostalgia: um sentimento que provavelmente todos já vivenciaram. Mas como é que a nostalgia acontece? Como pode uma lembrança, um momento aparecer de forma tão vívida em nossos pensamentos. Para entender como isso ocorre, ouça o podcast “De volta para o presente” de Bruno Miliozi e Lucas Zacari para o Claro! Ampulheta.
A mobilidade inconsciente
 
Por Pedro Ferreira
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Olhos fechados. Respiração sutil. Corpo imóvel. As referências que podem facilmente ser associadas a uma pessoa dormindo também compõem um quadro de inconsciência mais profundo e ainda misterioso, o coma.
A condição é caracterizada pela perda prolongada da consciência e a ausência de resposta a estímulos do ambiente. Ele é um estado que evidencia lesões estruturais ou não estruturais do Sistema Nervoso Central decorrentes de traumas, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), tumores, inflamações e outras condições.
Apesar de poder acontecer de forma natural, o coma também pode ser induzido através de fármacos para preservar a região afetada. Wagner Tavares, neurocirurgião do Hospital das Clínicas da FMUSP-SP, conta que o objetivo dessa abordagem é reduzir o funcionamento dos neurônios para poupá-los de atividade em situações que demandam repouso do cérebro.
Esse foi o caso de Jaine Silvestre, profissional de Recursos Humanos. Por ter tido complicações após uma cirurgia, teve uma infecção generalizada e foi induzida à condição. Ela conta que, enquanto estava desacordada, sabia que estava em um hospital, mas não lembrava o motivo. A sua inconsciência foi tragada por pesadelos. Em sua mente, as enfermeiras tentavam matá-la queimada ou afogada, e era perseguida a todo instante. Tudo isso sentido vividamente por ela, mesmo desacordada.
Duas semanas se passaram. Ela ouvia sua família falando com ela, mas não conseguia responder. Aos poucos foi retomando a consciência até despertar, confusa com o que havia acontecido e com quanto tempo havia se passado. Segundo Tavares, é comum que pacientes percam a noção temporal durante o coma e acordem confusos. Na grande maioria dos casos, eles não se lembram de qualquer coisa.
Para Jaine, o estado de coma foi um intenso processo espiritual e psicológico. O tempo que passou desacordada na verdade despertou nela um senso de gratidão e uma nova ótica para enxergar o mundo. Ainda que imóvel e inconsciente, o tempo passa e a vida continua.
Colaboraram:
Jaine Silvestre, profissional de Recursos Humanos
Wagner Tavares, neurocirurgião do Hospital das Clínicas da FMUSP-SP
O sabor do tempo
 
Por Vinicius Machuca
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Whisky puro com gelo? Duplo? Com energético? Prefere o tradicional ou o saborizado? São muitas perguntas que rodeiam o consumidor na hora de escolher como vai tomar seu drink. O whisky é uma bebida muito antiga sendo produzido pela primeira vez na Escócia em 1494 e até hoje é um dos carros chefes de bares e festas.
A bebida tem um gosto bem marcante que varia devido a diversos fatores, como o tempo, o barril em que é reservado e a forma em que é destilado na sua produção.
É impressionante a maneira que sommeliers especializados em whisky conseguem desvendar todos os gostos presentes na bebida e descobrir cada detalhe presente nela.
É comum ver em supermercados whiskys de valores bastante elevados e que tem uma idade avançada. Bebidas que ficaram 12, 18 até 30 anos maturando são facilmente encontradas e levam a fama de serem bebidas mais sofisticadas. Mas como o leigo pode sentir a diferença entre um whisky de alto nível e envelhecido e um whisky básico e mais jovem?
Tierri Gabriel, dono do canal no youtube Tierri Whisky explica a diferença no sabor de bebidas que ficaram bastante tempo no processo de maturação. “Um whisky envelhecido tem um sabor mais concentrado, e mais amadeirado por absorver o gosto do barril”
O barril em que a bebida fica reservada com o passar dos anos interfere diretamente no whisky, podendo modificar totalmente seu sabor.
O tempo tem ação direta no sabor final do whisky, para ter uma bebida com sabor frutado é necessário uma grande preparação. O barril utilizado nesse tipo de whisky já vinha de produções anteriores de vinho. Com o passar do tempo a madeira do barril absorve o sabor do vinho e após o whisky ficar maturando por anos no recipiente esse sabor deixa um toque na bebida a deixando com um sabor de frutas vermelhas.
Barris com madeira mais nova também tem espaço na produção. A pouca ação do tempo neles faz o whisky ficar com um gosto apimentado, pois a bebida fica com uma pitada de pimenta do reino e canela, conhecidos como os temperos do whisky.
Outros sabores comuns no mundo dos whiskys são os doces e o defumado. Nesses casos o barril tem ação fundamental. No caso do sabor doce é necessário barris de bourbon e o sabor defumado é adquirido com o tempo em barris carbonizados.
O tempo é fundamental na produção do whisky, porém em lugares adequados para a sua maturação. Não deixe sua garrafa mofando no armário, pegue um copo com gelo, algum tipo de acompanhamento de sua preferência e desfrute um bom drink sem esquecer de beber sempre com moderação.
Colaboraram:
Tierri Gabriel: Dono do canal Tierri Whisky
Assessoria da empresa Union Destillery
O diagnóstico não pode esperar
 
Por Cadu Everton
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
A vida não é como uma ampulheta, em que a areia está sempre se esvaindo, e quando ela acaba, é possível começar tudo novamente. Por isso, em busca de diminuir a velocidade que a areia flui, a agente de saúde, Roseli Maria, caminha pelas ruas de Diadema, região metropolitana de São Paulo, para orientar os moradores sobre a necessidade de ir ao posto de saúde. No entanto, muitos hesitam em buscar assistência médica.
Para a médica da família, Magali Natashi, a recusa por atendimento médico está na lentidão do sistema público, o que faz com que muitos pacientes procurem o serviço de saúde apenas quando já estão sentindo os sintomas.
Ela acrescenta que esse fator dificulta o diagnóstico precoce, principalmente no caso de doenças silenciosas, como a diabetes, que caso não seja tratada, se manifesta com sintomas graves. A medicina preventiva serve para frear a velocidade com que a areia da vida se esvai pela ampulheta. Porém, muitos têm visto a vida escorrer rápido demais sem ao menos perceber. Um estudo feito em 2021 pela Federação Internacional de Diabetes (IDF) mostra que 4,8 milhões de adultos convivem com a doença no Brasil sem terem sido diagnosticados.
Mas nem sempre o diagnóstico precoce está relacionado a uma corrida contra o risco iminente de morte. Apesar de possíveis sintomas graves, é viável conter a diabetes com a realização de dietas, exercícios físicos ou até mesmo insulinoterapia e ter uma vida normal, sem grandes perigos.
A medicina preventiva tem também o papel de ir além do diagnóstico de enfermidades, como por exemplo no caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Não se trata de diagnosticar para ganhar mais tempo de vida, afinal, o espectro autista não é uma doença, mas sim um distúrbio do neurodesenvolvimento, segundo a pediatra Ana Márcia Guimarães.
Indivíduos com esse transtorno possuem características, como limitações sociocomunicativas e padrões comportamentais repetitivos. Segundo dados do CDC (Center of Diseases Control and Prevention), estima-se que 1% da população brasileira possui TEA.
O tempo é essencial na identificação do autismo, e deve ser feito na infância, pois nessa fase há maior neuroplasticidade cerebral, ou seja, é possível estimular com mais facilidade as conexões cerebrais dos pacientes. Ana Márcia Guimarães afirma que, caso o diagnóstico seja feito depois da infância, há maior possibilidade desses pacientes desenvolverem ansiedade e depressão, mas isso dependerá do grau de espectro de cada indivíduo.
O diagnóstico precoce não está relacionado unicamente na identificação e tratamento de doenças, mas sim a auxiliar as pessoas a aproveitarem com mais qualidade sua existência. Nem sempre se trata de salvar alguém de uma “sentença” de morte, mas de dar fluidez à passagem de tempo de cada um na ampulheta da vida.
Colaboraram:
Magali Natashi – Médica da Família da Unidade Básica de Saúde Promissão
Ana Márcia Guimarães Alves – Pediatra, membro do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento
Roseli Maria – Agente de Saúde da Unidade Básica de Saúde Promissão
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.