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“sempre foi isso, mas …”

 

Por Mateus Cerqueira

 
Arte: Adrielly Kilryann e Guilherme Castro

Encerrar uma carreira e começar outra é uma vontade de 60% dos profissionais brasileiros, conforme levantamento do LinkedIn. Em parte, porque aspectos como autossatisfação e bem-estar com o trabalho estão ganhando espaço entre a população, e por outro, porque a insegurança financeira na atual posição desperta a necessidade de mudança de profissão.

Esse fenômeno, conforme a psicóloga do trabalho, Camila Caldeira, entretanto, não é livre de desafios e pode gerar medos e arrependimentos. 

“Partimos do pressuposto que essas pessoas que optam pela transição já gozam de uma boa condição financeira e estabilidade. Então, como desapegar? É nesse momento que elas se questionam sobre os riscos dessa decisão”.

Ela explica que as pessoas com esse privilégio não buscam somente a estabilidade financeira, “mas também estarem satisfeitas e com um trabalho adequado aos seus anseios, cotidiano e, até mesmo, propósitos”.

No caso de Rafael Tessaro, 26, a satisfação com o que faz veio em primeiro lugar. “Passei para a polícia, sonho de menino. Mas mudei. Fui cursar engenharia civil, trabalhei no mercado imobiliário, mas saí”.

Em seguida, ele entrou no mercado financeiro, mas também observou que aquela não era a sua área. Hoje, toca um  e-commerce de moda feminina.

Ao ser questionado se estava feliz com o seu negócio, ou se teve algum arrependimento sobre suas trocas na trajetória profissional, ele respondeu, respectivamente, que “sim” e que “não, sem arrependimentos”.

Apesar disso, transitar de uma profissão a outrafoi um desafio para Rafael, o que o fez duvidar sobre a porobabilidade de suas escolhas darem certo e do risco de ficar desocupado, como corre com 10% dos brasileiros, segundo o IBGE.

Esse também foi o sentimento de Andressa Bovolenta, 32, profissional de TI e educadora física. “Estudei educação física na USP e, depois de um tempo, consegui um bom retorno financeiro, trabalhando em uma academia”, disse. Entretanto, a rotina afogava Andressa, o que a obrigava a deixar em segundo plano outras atividades do dia a dia. Então, foi aí que surgiu a ideia de mudar de área.

Atualmente, ela trabalha como analista de software em um grande banco e se diz feliz com a transição que fez na carreira, embora continue dando aulas de personal para complementar sua renda. “Mas foi em TI que me redescobri”.

Entre os brasileiros, a transição de carreira ainda não é uma realidade concreta, já que fatores como desemprego e instabilidade financeira ainda assolam a sociedade. “Por isso, esse desapego é um privilégio. Não são todos que podem trocar de profissão no Brasil”, conclui Camila.

Onde o tempo não tem pressa

 

Por Gabriel Campos

 
Maria do Rosário Sosa, 53 anos, é dona da Pousada Sol de Verão, localizada no pacato vilarejo do litoral da Bahia. Maria cresceu no estado e hoje vive lá com o marido, irmã e duas primas. Mas ali, pouco tem ficado nos últimos anos. Viajar o mundo tem sido sua rotina. Depois de 44 países e quatro continentes, a próxima de suas paradas é na antiga cidade Inca de Machu Picchu. Apesar de nunca ter visitado o lugar, já o conhece. Falou sobre ele nas muitas aulas que lecionou em uma vida que ficou no passado, e já não existe mais.
Sosa, como era chamada pelos alunos, deixou Salvador ainda no ensino médio, finalizado em São Paulo, que se tornou sua casa por mais de duas décadas. Formou-se em história em 1987, aos vinte e três anos, quando, por necessidade, teve de abrir mão do sonho de seguir profissão na área, e ser historiadora, para ingressar no mundo pedagógico. Por dois anos, rodou por escolas menores, enquanto tinha como principal sustento as aulas particulares. Foi quando, em 1989, entrou no Colégio Santa Marcelina, bastante conhecido no lado oeste da capital paulista, à época com quase 1500 alunos, dos quais 350 sob sua tutela no ensino de História.
Professora de todo o ensino médio, tornou-se uma referência entre a docência, o que lhe garantiu, doze anos depois, o cargo de coordenadora da matéria no colégio, onde ficaria até março de 2011. Neste período, Sosa viu e agiu contra diversas mudanças que acabariam por minar a credibilidade de outrora do colégio. Mas contra a mudança daquele ano, ela nada pode fazer. O novo corpo administrativo integrou o Santa Marcelina a uma rede nacional, responsável por instaurar novos padrões de uniforme, conduta em sala de aula e, claro, do quadro de professores. Os mais antigos foram demitidos, e assim, Sosa deixava o lugar onde havia construído sua carreira por vinte e dois anos.
Bateu à porta de outros colégios, arriscou tentar em cursinhos, mas o alto salário pretendido era um empecilho aos empregadores. Depois de quase um ano tentando, veio o ostracismo, acompanhado por um sentimento de impotência, que a fazia duvidar da sua mais íntima capacidade.
As manhãs não eram mais diante dos quase cinquenta alunos de cada sala, mas bem longe deles. E foi nesse distanciamento que ela percebeu: aquela estrada que se acabava, abria ao lado um novo caminho. Um novo velho caminho. Ela deu voz a um de seus mais antigos desejos, soterrado pela profissão que aprendeu a amar.
Desde 2012, Cumuruxatiba, “onde o tempo não tem pressa, e a preguiça é mais gostosa”, é sua nova casa, e dela fez sua porta para o mundo. Atualmente está no Equador, onde deve ficar até desembarcar no Peru. Hoje, retomou um velho sonho: vive a história com os próprios olhos.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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