Veja a edição online completa do claro! alimento aqui.
Expediente — Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior. Diretora da ECA-USP: Brasilina Passarelli. Chefe do departamento: Luciano Maluly. Professora responsável: Eun Yung Park. Editores de conteúdo: Ivan Conterno e Sebastião Moura. Editores de arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano. Editores online: Juliana Matias e Thiago Gelli. Repórteres: Alessandra Gomes Barrozo, Aline de Almeida Novakoski, Ana Luiza Cardozo, Giulia Portelinha, Guilherme Gama, Gustavo Zanfer, Henrique Araújo, Jaqueline Silva, Júlia Rodrigues, Julia Mantuani, Juliana Alves Mendonça, Luanne Caires, Luisa Costa, Luiz Attié, Natane Cavalcante, Patrick Fuentes, Tomás Novaes, Vitor Cavalari e Wálace de Jesus. Diagramadores: Arthur Macedo, Beatriz Herminio, Beatriz Lopomo, Manuel Savoldi e Thomas Toscano. Revisores de texto: Giovanna Oliveira e Guilherme Caldas. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05508-020. Telefone: (11) 3091-3121.
O Claro! é um jornal produzido pelos alunos do quinto semestre do curso de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso – Suplemento.
Não é só comida
 
Por Ivan Conterno e Sebastião Moura
 
Arte: Jorge Fofano
“A refeição é sagrada”, diz a mãe ao filho todas as vezes que ele senta à mesa. A vã tentativa de fazer o garoto tirar os fones de ouvido durante o almoço faz pouco sentido para ele – “nunca desperdicei um único grão de arroz colocado no meu prato, então o que poderia haver de herege ou desrespeitoso no relacionamento que eu estabelecia com a comida?”
Mas essa mãe não está apelando para o clichê, tragicamente ainda verdadeiro em um país que é basicamente uma fazenda gigante, do “tem gente passando fome, não desperdiça”. O adjetivo santo acena a uma ideia simples, mas poderosa: comida não é só comida. Se alimentar não é só botar para dentro matéria orgânica que vai servir de combustível para mais matéria orgânica.
A gente não quer só comida e bebida. Além de combustível orgânico, o alimento também é sabor, a menos que o paladar esteja com defeito. Às vezes nem nutre tanto, mas mata a fome e economiza algum tempo. Às vezes é uma desculpa para passar um tempo junto da família, dos amigos, da pessoa que se gosta ou com a qual se quer fechar um negócio.
Quem prepara a sua refeição? É comida de verdade, comida-comida-mesmo, ou é lanche? Tem comida que vem da Europa, da Ásia e da América… mas e da África, você conhece? Os temperos em pó da sua cozinha, de onde vêm? Você já provou algo novo hoje? Que tal experimentar o que preparamos nesta edição?
Saborear é sair da monotonia
 
Por Luisa Costa
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
Comer não se trata de ingerir um pacotinho de energia: é uma experiência sensorial que pode (e deve) fazer bem para o corpo e para a mente. Mas isso pode ser difícil para quem fica sempre com os mesmos sabores e texturas.
As causas para o comportamento alimentar podem ser até genéticas. Pais com neofobia alimentar podem passar para frente essa aversão, e variações do gene TAS2R38 podem fazer com que alguém sinta com mais intensidade os sabores amargos – e, torcendo o nariz para eles, mantenha uma dieta mais limitada.
Este sabor é mais rejeitado por questões evolutivas: para fugir de substâncias tóxicas, nossos ancestrais desenvolveram uma aversão inata por sabores amargos e texturas irritantes, e uma preferência por sabores doces e texturas gordurosas. Por isso é tão comum encontrar quem não goste de vegetais e alimentos amargos no geral.
Mas há quem fique na monotonia alimentar por outra questão: o próprio acesso à comida. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Fome e a Agricultura, hoje três em cada dez brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar – desde não ter certeza sobre a capacidade de conseguir comida a passar fome por dias. Aí, diversificar a dieta, claro, não é uma possibilidade.
Acontece que, para comer bem, é importante comer de tudo e seguir a clássica recomendação dos nutricionistas de montar pratos coloridos. A monotonia alimentar traz perdas para o prazer envolvido nas refeições e para o bem estar do corpo: dietas limitadas (pela aversão ou pela falta de acesso) podem contribuir para carências ou excessos nutricionais – quando relacionada, por exemplo, ao consumo de alimentos hipercalóricos, ricos em açúcares e gorduras.
Colaboraram: Camila Garcia, especialista em Saúde e Nutrição Infantil pela Unifesp; Helena Previato, doutora em Alimentos e Nutrição pela Unicamp; Livro Ciência do Comportamento Alimentar, editora Manole, 2021.
Procura-se: o cheiro do café, o gosto do vinho
 
Por Jaqueline Silva
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
Por entre os lábios, sobre a língua ou no céu da boca, os alimentos não têm muito gosto. Podem ser doces, salgados, azedos, amargos ou conterem o misterioso umami: um quinto sabor, sentido junto aos alimentos ácidos ou doces, como o tomate, o queijo, a cebola. Mas o cérebro dá um passo adiante e reúne essas sensações gustativas com as impressões sentidas pelo olfato, criando uma lista extensa de sabores que vão sendo “gravados” na memória. Eis um resultado fino entre os dois nobres sentidos: o paladar.
Ligado ao sistema nervoso central, nervo fundamental para a percepção e memória, o fruto dessa união pode desaparecer completamente entre aqueles que sofrem lesões importantes nessa região cerebral, como é o caso de pessoas que desenvolvem anosmia, que leva à perda total dos estímulos olfativos; ou até mesmo a ageusia, condição que impede a percepção gustativa e afeta cerca de 5% da população brasileira.
Após um acidente de trânsito que lesionou essa região do cérebro e comprometeu seu paladar por completo, Miriam Greco* precisou adaptar toda sua relação com a comida. Amante da degustação de vinhos e com uma bagagem cheia de memórias das viagens gastronômicas que fez com o marido e amigos, atualmente é a sua língua que desempenha o papel principal, processando os cinco sabores básicos, além de aguçar a percepção acerca da temperatura, textura e consistência de cada alimento. Hoje, consegue diferenciar uma batata de um purê pela maciez ou pastosidade, ou uma cerveja de um café pelo efeito glacial ou cálido que o copo lhe revela.
Para a médica Ana Cláudia Silva, por outro lado, reconhecer a diferença entre os alimentos foi demorado e propício a acidentes. Tendo perdido o paladar ao ser diagnosticada com anosmia, foi somente após um episódio em que ingeriu uma quantidade excessiva de pimenta, sem sentir sua intensidade, mas com olhos lacrimejando e bochechas coradas, que Ana Cláudia descobriu sobre o picância remanescente do fruto de estimular os receptores de calor existentes na língua e sua ligação à sensibilidade facial.
A partir de tratamentos com médicos otorrinos e neurologistas, pessoas como Miriam e Ana Cláudia têm como alternativa os exercícios diários que ajudam a localizar na língua as regiões que melhor reconheçam os sabores, além de “treinar” o nariz para reconhecer aromas de diversos alimentos por meio dos óleos essenciais, que concentram com mais intensidade os aromas dos compostos químicos.
Ambas dizem que, por serem pouco eficazes, preferem agarrar-se à memória que guardam dos pratos preferidos. Chuchu continua sem sabor algum, diz Ana Cláudia. O café? Fumegante, é preparado todas as tardes ao lado da filha, que abre a janela para espalhar o aroma pela vizinhança. Mas o espumante? Deve estar sempre estupidamente gelado e regado pela companhia de bons amigos.
Colaboraram: *O nome foi ocultado a pedido da fonte; Ana Cláudia Silva, clínica-geral; Viviane Zétola, neurologista pela Universidade Federal do Paraná; Francisco Xavier Palheta Neto, otorrinolaringologista pela Universidade Federal do Pará e especialista em anormalidades sensoriais do olfato e paladar
Ortorexia: quando ser saudável demais é doença
 
Por Aline de Almeida Novakoski e Guilherme Gama
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
O leite é proibido porque pode ser inflamatório. Carne nem pensar porque um estudo diz que causa câncer. Carboidrato muito menos, porque dizem que engorda. O que resta é a ortorexia. Esse transtorno alimentar é caracterizado pela compulsão por uma alimentação perfeitamente saudável — mesmo que seja inalcançável e adoeça o corpo e a mente.
A busca obsessiva por alimentos “saudáveis” é de causa multifatorial: fatores sociais, genéticos, ambientais e de raiz psicológica, que geralmente começam em dietas muito restritivas.
Naturalmente, quem segue restrição alimentar passa a ficar mais atento aos ingredientes e aspectos nutricionais dos produtos. Mas, a compulsão começa quando uma simples ida ao mercado se torna uma caça às menores porções de sódio, carboidrato e corante, nas letras miúdas de rótulos e embalagens.
Na mente de quem tem o transtorno, é necessário consumir apenas o que é 100% saudável. Esse comportamento ganha força com sites e perfis de redes sociais sobre saúde e beleza, que diariamente denunciam os “vilões” da alimentação — fenômeno chamado “terrorismo nutricional”.
A cada dia, uma nova manchete alerta para um alimento que pode fazer mal à saúde e, para não correr riscos, a saída é comer apenas o que se tem completo controle.
Aos poucos, o carrinho do supermercado fica cada vez mais vazio. São selecionados apenas os alimentos sem glúten, açúcares, aditivos químicos, lactose, transgênicos e assim por diante. Para além do conteúdo nutricional em si, há um interesse exagerado no histórico dos alimentos, antes de chegarem às prateleiras. Checa-se como foi a produção, colheita, transporte e armazenamento.
E, pela dificuldade em rastrear a comida e “garantir” o nível de perfeição que se exige, a solução é não consumir. O ortoréxico abandona muitos alimentos — e com eles, experiências, relações e, muitas vezes, a vida social.
São comuns relatos de isolamento. A pessoa passa a se alimentar apenas com a comida comprada e feita por si mesma em casa, geralmente vegetais crus. Ir a um jantar com o namorado não é mais uma opção e ao aniversário da melhor amiga é impensável.
Nesta lógica de desordem, o bolinho de chuva de infância da vovó é carboidrato de alto índice glicêmico embebido em gordura vegetal transgênica e aquecido em panela que libera teflon. Quando a busca pela alimentação “perfeita” ganha essa dimensão, as consequências são emocionais (depressão, ansiedade etc.) e físicas — como desnutrição, que pode acompanhar perda de peso, queda de cabelo, e doenças como osteoporose.
Colaboraram: Adriana Kachani,nutricionista do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Alessandra Job, professora de nutrição da Faculdade MULTIVIX de Vitória- ES; Camyla Rocha,professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e coordenadora do Grupo de Estudo em Nutrição e Comportamento do Acre; Cecilia Cury, advogada e líder do Põe no Rótulo.
As chefs e suas chefes
 
Por Juliana Alves
 
Arte: Adrielly Marcelino
A cada garfada, a patroa e seus filhos saboreavam filet mignon, enquanto ela ouvia, aguada. Ela engolia em seco as ofensas e esperava todos saírem para preencher duas tigelas de banha: para o cachorro e para ela. Cansada de se sentir invisível, arranca um pedaço da carne que não tinha o direito de colocar na boca, mesmo tendo feito com as próprias mãos. Os minutos de revolta de Luiza Batista*, hoje coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), tornaram-se semanas de desemprego.
A diferença vai além do filet mignon e da banha. Enquanto os chefes vieram de “berço de ouro” e têm ensino superior, muitas cozinheiras começaram a trabalhar cedo. São aproximadamente 93 mil crianças e jovens em frente ao fogão, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019.
Já adultas, frequentemente ignoram o ronco do estômago. O “salário insuficiente”, somado com o aumento dos preços dos alimentos, fez com que Luiza diminuísse os itens do carrinho de mercado, deixando de levar as marcas favoritas. O piso salarial da categoria na cidade de São Paulo, de R$1.433,73 reais, não banca nem um churrasco de fim de semana da patroa. “Não se vê mais o iogurte ou o queijo na geladeira por causa da mudança do poder aquisitivo. Quero voltar a comer como antes, alimento não é supérfluo.”
Para não fechar o mês no aperto, muitas vezes as trabalhadoras não assinam a carteira de trabalho e recebem um salário mais alto em troca. “Quando a funcionária assina a carteira, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é descontado, por isso muitas não querem assinar. Mas percebem o erro quando ficam doentes”, comenta a coordenadora do sindicato.
Depois de décadas de luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas, a Lei Complementar nº 150/2015 tornou obrigatório o intervalo de uma a duas horas para o almoço. Caso a funcionária resida no local de serviço, o período de intervalo pode ser dividido em dois momentos da jornada de trabalho, de no mínimo uma hora até quatro horas. Mas o avanço dos direitos não garante que as empregadas sejam tratadas como seres humanos.
Um episódio marcante para Márcia foi a vez que sua patroa pediu o preparo de um jantar para visitas. Após a despedida, os vizinhos ouviram os gritos à funcionária, pois as roupas foram estendidas no varal da lavanderia. Márcia não entendeu por que deveria retirar as roupas já que ninguém entraria lá. Porém ouviu “não vem dar ordem na minha casa, as pessoas vão achar que estão em uma favela”.
Vai além de saborear um filet mignon. Márcia, assim como muitas, não vê a hora de parar de cozinhar para realizar o sonho de ter a própria empresa. “Falta coragem e estudos. Quem sabe um dia.”
*Com exceção da Luiza Batista, todos os nomes foram trocados para preservar o sigilo das fontes.
O espaço da comida de rua
 
Por Gustavo Zanfer
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
Foi na gestão de Marta Suplicy, em 2002, que a prefeitura de São Paulo passou a conceder direitos do uso de espaço para vendedores ambulantes – o “dogueiro motorizado” regulamentou os carros de rua que vendiam alimentos como o clássico hot dog. Hoje, donos de barracas de comida e food trucks no município devem optar pelo Termo de Permissão de Uso (TPU) ou pelo programa Tô Legal, inaugurado pela gestão Bruno Covas.
Celso Oliveira, representante da Associação Paulistana de Comida de Rua, gerencia quatro food trucks em eventos grandes – no currículo, já cobriu CCXP, Lollapalooza e Tomorrowland. O empresário paga 10% anuais sobre o valor do metro quadrado dos CEPs onde estaciona os carros. Se ocupa 10m² em quarteirão que custa 2 mil reais o m², paga 2 mil reais parcelados em até 3 vezes. Para Celso, “o TPU, embora seja precário e oneroso pelo preço público do metro quadrado e porque pode ser revogado a qualquer hora, antes precisa ser justificado”. Já no Tô Legal, a permissão de uso do espaço pelos ambulantes vale por 3 meses. “Essa modalidade serve para fazer um test-drive”, afirma o empresário.
Esse teste vem depois de conseguir a licença para atuar na rua, com os comércios que já existiam ali. Celso conta que não é incomum vender lanches no food truck perto de outras lanchonetes e criar uma tensão – lataria pichada à noite, pneus furados, abordagens pela Guarda Civil Metropolitana acionada pelos comerciantes mais antigos. “Essas coisas você não vai aprender com o Sebrae.”
O Sebrae oferece cursos de capacitação e consultorias gratuitas para todas as categorias de empresários. A consultoria, segundo empresários ouvidos, oferece um bom modelo de negócio para vendedores de comida iniciantes. Mas a queixa em comum é de que não há instruções específicas para os ramos de food truck ou barracas de comida, que têm demandas e passam por problemas muito específicos tanto para a atuação quanto para o uso do território.
Em relação ao uso do espaço, a consultora de negócios do Sebrae-SP, Juliana Berbert, afirma que as dificuldades na obtenção dos TPUs e a falta de planejamento fizeram com que muitos abandonassem o segmento. “Houve uma procura maior nos anos de 2015/2016, quando aconteceu o boom deste modelo de negócio, mas posteriormente essa busca caiu”, conta. “As políticas públicas e a legislação aplicada, pelo menos aqui no município de São Paulo, dificultaram a legalização”.
Que tal uma pausa pra comer?
 
Por Luanne Caires
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
De segunda a sexta-feira, o cheiro do café fresco irrompe pelo corredor do escritório e aciona pequenas interrupções no tec-tec-tec dos teclados pela manhã. Quase como um ritual do meio corporativo, colegas de trabalho se entreolham e sabem que é o momento em que e-mails, telefones e relatórios podem dar espaço a um outro elemento tão importante quanto as obrigações trabalhistas: os vínculos interpessoais.
O cafezinho de cada dia não é só alimento. É também um dos marcos da comunicação informal nas organizações. É quando se aprende o jeito de o outro rir despreocupado, contar uma piada ou chorar umas pitangas, daquelas que não são comestíveis. Maarit Valo e Leena Mikkola, pesquisadoras de universidades finlandesas na área de comunicação organizacional, destacam em seu livro Workplace Communication (Comunicação no Ambiente de Trabalho), publicado em 2020, que por muito tempo a comunicação informal foi vista como negativa pelas empresas, por representar a famosa rádio-peão. Hoje, ela é considerada fundamental para o senso de pertencimento a uma equipe ou a uma identidade institucional.
E não só de informalidade é feita a conversa acompanhada por uma xícara de café ou por um bom prato de comida. Algumas empresas possuem cafés da manhã periódicos com gerentes, presidentes e clientes como um dos veículos de comunicação formal — uma maneira de discutir negócios e os rumos organizacionais com uma abordagem mais direta e intimista a la Chico Buarque: olhos nos olhos.
Para Guilherme Vicente, coordenador comercial no iFood, empresa que controla cerca de 80% do mercado de gerenciamento de entrega de comidas e bebidas no Brasil, os benefícios das refeições compartilhadas, sejam elas formais ou informais, estão ligados ao ambiente. “Você consegue chegar em conversas para as quais dificilmente teria tanta abertura dentro de uma sala de reunião mais quadrada”.
A afirmação vem com a experiência de quem geriu uma equipe de 24 pessoas, em regime de trabalho remoto durante a maior parte da semana. Às seis horas da tarde das quintas-feiras, dia de trabalho presencial, a equipe se reunia na área de lazer da empresa, para o abrir e fechar de portas da geladeira de cerveja. Independentemente de quantos cafés haviam sido tomados antes ou depois do almoço, aquele era o momento do happy hour, uma modalidade diferente de integração.
As diferenças residem, por exemplo, no grau maior de desconexão com o trabalho, se comparado à rapidez do cafezinho, e também na tendência de o happy hour reunir mais pessoas e equipes. Essa ampliação da informalidade e do círculo social é um dos pontos fortes citados por Thaiany Dominelli, analista de inteligência competitiva no Grupo Boticário e adepta dos happy hours como um espaço de “conforto e segurança”. Por essas e outras, o “confraternizar”, não por acaso, é um dos serviços mais procurados no ramo de alimentação em eventos corporativos, especialmente no fim do ano, como comenta Thyago Figueiredo, do Buffeteria Eventos.
Mas o segredo para que esses momentos sejam de fato integradores reside nas próprias empresas: um espaço de confiança, liberdade e acolhimento para que todos se sintam confortáveis depende da cultura organizacional. Só assim o cafezinho, o almoço ou o happy hour não se tornam mais uma obrigação do trabalho nem uma fonte de ansiedade, mas sim uma oportunidade de criar e reforçar vínculos com as pessoas com quem se compartilha objetivos, projetos e, às vezes, a maior parte do dia.
Angola: mais próxima do que parece
 
Por Júlia Rodrigues
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
Em um grande quintal, uma mulher acende um fogareiro. Na panela, adiciona cebola, tomate, gengibre e azeite de palma. Daí vem o frango que, junto ao quiabo, é cozido lentamente no caldo. O aroma percorre as casas próximas, as crianças circundam a matriarca com olhos atentos. O resultado desse processo é a muamba de galinha, um dos pratos símbolos de Angola. Um acompanhamento possível é o funge, uma massa feita à base de farinha de mandioca, também típica do país. A introdução do azeite de palma (ou óleo de dendê, como ficou conhecido por aqui) e do quiabo em nossa culinária veio dos negros escravizados. “O primeiro contato do Brasil com a gastronomia angolana e africana no geral foi por meio desse encontro forçado”, explica Karina Ramos, historiadora, especialista em gastronomia angolana pela UFRJ e cozinheira. Os cidadãos hoje conhecidos como angolanos fazem parte do grupo étnico dos bantos, um dos que mais foram trazidos como escravos para a América portuguesa.
Apesar de não ser possível precisar como ocorreram essas trocas gastronômicas, a influência é perceptível em vários pratos comidos por aqui. “O funge, quando feito de milho, se parece muito com o angu mineiro. A quizaca, um refogado de folhas de mandioca, é muito similar à maniçoba, do Pará”, pontua Karina. O óleo de dendê, obrigatório nas casas angolanas, ainda reina na Bahia, fazendo-se presente no acarajé e na moqueca. Dados do Nepo (Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”), da Unicamp, apontam que, de 2000 a 2020, houve mais de 17 mil registros de imigrantes angolanos no país, sendo São Paulo o destino da maior parte deles. Só no ano passado, houve mais de 2.500 registros. Apesar disso, não há sequer um restaurante especializado na capital.
Essa falta foi algo que incomodou João Canda, escritor e produtor cultural angolano, quando se mudou para o Brasil há dez anos. Quando inaugurar o Ngola Yetu, na Vila Mariana, na região centro-sul, ele será o dono do primeiro restaurante angolano de São Paulo. O estabelecimento tem data de abertura prevista para dezembro deste ano, mas já possui redes sociais e ofereceu degustação para convidados na Universidade Zumbi dos Palmares em comemoração ao Dia da África.
Influência que dá gosto
 
Por Patrick Fuentes
 
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano
A herança colonial afetou a difusão do uso de temperos na culinária brasileira. A produção local de especiarias era proibida devido ao monopólio português no Oriente e ao acesso limitado pelo símbolo de status que elas tinham.
De lá para cá, porém, os hábitos de consumo e nossas influências mudaram, indo do boca a boca a um story de distância para conhecer uma nova cultura. Pelas telas, reality shows ou influencers culinários, esses ingredientes são ressignificados na culinária brasileira.
“Eu vejo pelos meus alunos, que às vezes na aula comentam ‘olha, cê viu Fulano fazendo tal prato? cê viu como ele apresentou o prato ou cozinhou um ingrediente?’”, conta a chef e professora da Le Cordon Bleu, Susana Juhn, especialista em culinária asiática, cujos pratos são bem temperados.
Ela explica que o plantio e a facilidade de acesso a esses recursos influenciam a cozinha local, como na Índia, um polo importador de temperos, cujo mercado interno absorve 90% da produção local do país graças à tradição do uso em sua culinária.
O cravo, de cheiro pungente e caloroso, é símbolo disso, usado do arroz indiano ao curry, molho indiano de sabor salgado e apimentado. Mas a cozinha oriental também acabou incorporando especiarias importadas em seus pratos, como na Tailândia, que adotou o uso da pimenta caiena, com seu ardor lacrimejante e absorvida pela culinária local.
Gessica Sponchiado, gerente de marketing da Kitano, uma das principais marcas de temperos no país, concorda com a chef e afirma que os efeitos dos meios digitais no mercado interno são notados na busca por novos temperos e combinações, como o chimichurri, tempero misturado da região dos pampas com semente de mostarda e diversos tipos de pimenta.
“Ele saiu da sua exclusividade no mundo das carnes e churrasco, passando a fazer parte da culinária, do dia a dia e em novas misturas e preparos”, conta ela sobre essa adaptação culinária desse tempero em pratos do cotidiano.
Para Paula Martins Chueri, especialista no treinamento de profissionais de culinária do Senac São Paulo, as influências digitais e de programas culinários, como o Masterchef, apresentou à população tendências culinárias que focam na forma de lidar com ingredientes do seu cotidiano, seu preparo e apreciação dos seus sabores, como o movimento Slow Food.
Dessa maneira, o conteúdo midiático torna-se responsável por disseminar o conhecimento sobre temperos — sejam os mais comuns ou regionalizados — e aumentam a curiosidade daqueles que querem se arriscar na cozinha, criando demanda em uma cena culinária onde os temperos são pouco explorados.
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.