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Bullying: a dor do diferente na infância

 

Por Ana Beatriz Garcia e Suzana Petropouleas

 
diferente-nfância
Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

 

 

A violência contra crianças consideradas “estranhas” pode deixar marcas profundas. Foi o caso de João*, que sofreu bullying na infância por sua orientação sexual. O trauma dificultou sua auto-aceitação e refletiu-se em uma necessidade de construir personagens, em busca da aprovação alheia. A experiência também lhe rendeu um Transtorno Obsessivo-Compulsivo grave, com o qual lidou por anos.

 

“O bullying dita muito dos valores e da personalidade futura da vítima”, explica Gabriela Lask, professora do Infantil. A agressão pode assumir muitas formas: é a criança zombada nos corredores por suas roupas ou ridicularizada nas redes sociais, por exemplo. Também pode ser silenciosa, quando a vítima é excluída pelos colegas, e praticada até por professores, como os que reproduzem apelidos sobre traços étnicos de alunos. “A criança está criando seu chão, sua autoestima. Cresce como alguém que não pertence, o que se reflete em outras esferas”. 

 

Essa luta para se adaptar ao convívio com o outro foi exposta por Freud em “O Mal Estar da Civilização”, lembra a psicanalista Beth Coimbra. Ela recebe pequeninos no divã para tratar os efeitos do estranhamento do ambiente escolar, tão coletivo e heterogêneo. Crianças consideradas “diferentes” pela cor ou sexualidade, por exemplo, são alvos recorrentes de violência porque suas particularidades são vistas como falhas por quem promove o bullying – que, segundo Coimbra, aumentou recentemente. 

 

“Há um clima de mais intolerância. E o bullying envolve ameaças, opressão e autoritarismo, mas ele comunica algo sobre quem o promove: o pavor do que há de diferente ou imperfeito dentro de si mesmo”, diz.

 

E quando a família reforça a intolerância? Ana Gabriela Faversani, professora do Fundamental I, atribui à escola o papel de assumir posição condizente com a esfera pública: embora haja famílias com opiniões diversas, a instituição deve tratar qualquer agressão como inaceitável, de forma clara, persistente e consistente.

 

A abordagem pode assumir a forma de sensibilização sobre o preconceito e reorganização das crenças. Para os educadores, a escola também deve garantir que as crianças convivam com a diversidade e incentivar a compreensão de que todos somos diferentes.

 

Esses cuidados são especialmente importantes no atual contexto, diz a psicopedagoga Telma Pantano, em que crianças retornam ao ensino presencial fragilizadas pelo isolamento e ansiosas para serem aceitas. O stress da pandemia, porém, tende a tornar professores e alunos menos tolerantes. 

 

Por isso, o desenvolvimento das competências socioemocionais é essencial, ressalta o psiquiatra Celso Lopes. Em uma turma que atendeu recentemente, por exemplo, os alunos tinham facilidade de criar conexões e “panelinhas”, mas praticavam bullying contra os outros grupos. Descobriu-se que 40% tinham a empatia pouco desenvolvida, que foi praticada através de exercícios como a escuta ativa, em que ouve-se o que o outro tem a dizer com atenção, sem julgamentos ou pensar na resposta pretendida. 

 

Colaboraram:

Ana Gabriela Faversani, professora assistente do Fundamental I no Colégio Equipe

Beth Coimbra, psiquiatra, psicanalista de criança e adolescentes e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Celso Lopes, médico psiquiatra pela UNIFESP e co-criador do programa Semente, que desenvolve o ensino de habilidades socioemocionais para prevenção do bullying nas escolas

Gabriela Lask, professora do fundamental I no Colégio Equipe

Jaqueline Landim, professora do ensino infantil na EMEI Armando de Arruda Pereira

João*, vítima de bullying na adolescência 

*nome fictício

Patricia Della Posta, coordenadora na EMEF João Carlos da Silva Borges

Tania Pantano, psicopedagoga do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Victoria Lopes, professora do fundamental I da Rede Decisão – Unidade Mooca

Mais gente que muita gente

 

Por Victoria De Santi

 

A rotina na Riviera começa cedo. Os alunos chegam pela manhã carregando sua mochila e as refeições do dia. Chegam animados, cheios de energia, e não demoram a começar as atividades recreativas interagindo com seus amigos e colegas. A creche com nome de praia tem rotina de escola, mas os hóspedes são… cachorros. Comportados, o único som que se ouve no local é o da respiração ofegante, que anuncia as caudas balançando agitadas e pulos quando alguém se aproxima. Com frisbee na boca como quem dá boas vindas, os cães da Riviera são alunos simpáticos.

 

Depois do primeiro exercício, almoçam ao meio dia e fazem uma sessão de spa com luzes coloridas, música e massagem. O que não soa muito natural para cães torna-se hábito, e os desacostumados logo pegam o jeito. “Aos poucos eles vão acalmando, e eles mesmos vão procurando um lugarzinho para ficarem deitados e receberem a massagem”, conta Claudia, dona do local. Mesmo quando a tarde cai, as crianças da creche ainda têm energia para gastar, e por demanda dos seus corpos: ao terminar o dia, mais atividades.

 

Embora esteja longe do litoral, ancorada na zona oeste da capital paulista, a Riviera dos Cães tem cara de cenário litorâneo, com paredes pintadas e o chão gramado. Divide com a famosa praia a paisagem -com o mar, areia, palmeiras e guarda-sol desenhados na entrada e na área de recreação- e o luxo da vida de férias que levam os que passam seus dias ali. Só falta mesmo a maresia, substituída pelo cheirinho de cachorro recém-saído do banho.

 

“Aqui é como uma escolinha para crianças, é a mesma relação”, Claudia explica sorridente. Assumindo o papel do humano, esses cachorros, que são filhos, irmãos e netos, saem da categoria de animais: ganham maior importância e se livram da posição, imposta por nós, de mão de obra, produto ou de comida.  

 

O tratamento que a creche oferece só existe porque a demanda por ele existe. Um reflexo de como esses animais, mais gente que muita gente, são percebidos dentro de casa.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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