Seis da tarde. Metrô lotado. Marasmo…
De repente, um gemido. Ao seu lado, um nariz sangrando.
Sangrando apenas não, jorrando sangue. Pequenos respingos mancham sua camisa. O que você faz?
Nunca viu tanto sangue sair assim de uma pessoa. E que sangue tão vermelho, tão assustador, tão sufocante! Você desvia o olhar quase que automaticamente, mas algo nele te chama e te obriga a encará-lo novamente. Como algo tão horrível pode ser tão bonito?
Enquanto aquele vermelho vivo e quente te hipnotiza, cedem lugar à pessoa sangrando e tentam acudi-la. A sua volta à realidade é brusca e você tem que se segurar para não cair. Tontura… Muita tontura… Ah, o sangue…
O sangue para, a pessoa vai embora. Passado o susto, fica o vazio. Você não fez nada, mas o que poderia fazer? O sangue o assustou como assustaria a qualquer um. Engraçado como ele nos assusta… Ele corre por nossas veias, apressado, como trens deslisam por trilhos, nos dando vida a cada novo instante. Está próximo de nós, está dentro de nós, e ainda assim nos causa medo, repulsa, horror. Ah! E como é belo o sangue!
Talvez não haja nada tão paradoxal quanto o sangue. É horrível e é belo. É morte e é vida. É destruição e é renascimento. Por mais que o evitemos, nunca sai de perto de nós. Está nas nossas conversas — e aí, sangue bom?! — nos nossos machucadinhos cotidianos, na nossa dieta e na nossa personalidade, nos crimes, nas guerras, nos partos. Ele está em nós e às vezes querem escapar por nossas narinas. Não dá pra fugir.
No meu caminho, além do trânsito e de alguns ônibus quebrados, há também cavalos, bois e gado. Isso porque há sítios na região que deslocam seus animais para pastar às margens da represa Billings, que acabam atravessando a estrada, principalmente depois das 10h. Dos trajetos, guardo as boas leituras, as músicas que escutei e conversas com amigos e desconhecidos. Lembro também do gesto de uma senhora, quando tinha 13, 14 anos. Vendo-me dormir, ela deixou que minha cabeça recostasse em seu ombro. Acordei com um susto, eu ri, ambas riram.
Gabriely Araujo – Balneário São Francisco
“E quando a porta abrir na próxima estação? Será que vou cair?” Andava em passos curtos pensando que se acontecesse uma emergência eu seria pisoteada fácil, fácil. Finalmente, em 2015, tive coragem de dirigir na Marginal. Nas primeiras vezes eu ia tensa. Os motoqueiros, as buzinas, a dificuldade para mudar de faixa, meu corpo doía de tão tensa que eu ficava.
Yria Freitas Tandel – Interlagos
Uma vez eu tava estressada com provas, botei os fones e fui andar pela cidade à noite, passei pelas aguinhas do parque Ibirapuera, passei por uns grafites, foi muito gostoso.
Bárbara Villela – Higienópolis
De ônibus até o metrô e de metrô para ao mundo real.
Thiago Alves Custódio Jorge – Vila Nova Cachoeirinha
Dizem que o metrô vai chegar, até as estações já têm nome e local certo, mas a licitação foi suspensa por polêmicas de preço e nem sei se tem mais previsão.
Thaís Vallim – São Bernardo do Campo
Foi no ônibus o lugar onde eu comecei a perceber como existiam pessoas diferentes no mundo.
Rebeca Yoshisato – Jardim Bonfiglioli
Todo mundo que eu vejo de bike pela cidade está sempre com um sorrisinho no rosto e isso deixa a cidade mais leve.
Jeanine Padilha – Jardins
No início da faculdade, antes da linha amarela, eu levava cerca de 2h30 para chegar até a USP. Totalizando 5 horas diárias e 25 horas semanais. Era como se a cada semana passasse um dia inteiro no transporte público para ir e voltar da faculdade.
Thatiana Martins – Vila Nova Cachoeirinha
Saio do trabalho às 17h, depois de um dia de muito cansaço e encheção de saco, metas, espiadas no Facebook, quem é o líder do BBB, mais metas e mais encheção de saco. Voltar pra casa é tudo que eu mais quero na vida. Mas eu e outros 4 milhões de pessoas que usam o metrô de São Paulo diariamente ainda temos um último desafio: enfrentar a superlotação.
Nesse horário o número de pessoas parece ainda maior. Chego na estação, procuro meu Bilhete Único na bagunça da minha bolsa e não demora muito pra se formar uma fila atrás de mim. Três pessoas batendo o pé, olhando impacientes, murmurando alguma coisa. Me apresso.
– Vai logo, vai logo. Pega esse bilhete. Acorda!
Finalmente passo pela catraca. Mal consigo andar do outro lado.
Com paciência vou progredindo na fila até chegar à escada rolante. Aaaai! Sou empurrada por um apressadinho e me desequilibro. Esbarro em outras pessoas e já vou me desculpando. Desço um lance de escadas e a multidão só aumenta. Impressão minha ou está mais quente aqui dentro? Sou empurrada mais três, quatro vezes. À próxima pessoa que tenta furar a fila já dou uma cotovelada.
– Aqui não, queridinho!
Ele balbucia algumas coisas enquanto me olha de cara feia.
– Eu tô atrasado.
– Atrasado pra chegar em casa? RESPEITA A FILA – eu grito.
– É! Respeita a fila. – Tá todo mundo com pressa. – Olha a moça. Tenha mais cuidado. – Ai, como as pessoas são mal-educadas aqui, né? – Todo dia tem um filho da puta querendo levar vantagem. – O governo tem que dar o exemplo. – Também, com a inflação do jeito que tá…
Pokemon, eu escolho você!
Depois de alguns lances de escada e muita gente folgada, não existe mais paciência, muito menos gentileza. Conforme as pessoas vão se distanciando da superfície parece que também vão perdendo a noção da realidade e a transformação começa. Apagam-se as luzes da sanidade e salve-se (ou sente-se) quem puder.
A ÁREA PRÓXIMA ÀS PORTAS É RESERVADA…
Ninguém escuta mais nada. É gente correndo, empurrando, amassando. Conforme vamos nos aproximando da plataforma, o desespero aumenta e os Pokemons vão ganhando mais poderes. Dois corpos ocuparem o mesmo espaço é claramente possível para eles. Seus rostos franzidos, fechados, são rostos de quem vai pra guerra. Sai da minha frente que eu quero passar.
E passa. Quando o primeiro metrô passa a transformação já está completa. Os Pokemons assumem diversas formas. Saltam, voam, atropelam os semelhantes. Claramente não cabe mais ninguém. Todo mundo já está espremido sendo obrigado a ficar com a cara na axila de fulano, ou com o braço encostando nas partes de beltrano. Para entrar no vagão, vale tudo. Ele gruda no cabelo da coleguinha e fica aboletado ali. Miga, nós vamos conseguir juntas! – ele pensa.
Alguns enfiam metade do corpo, ficando com um braço e uma perna pra fora. Como se os minutos extras que o trem fica parado na estação até a porta se fechar fossem magicamente abrir um espaço e fazê-lo caber ali. E o pior é que por alguma super habilidade o danado se enfia.
Dentro do vagão encontram-se diversas espécies. Tem sempre um Charizard soltando fogo. Ele fala alto. Reclama do calor, do fedor, das pessoas encostando. Sempre há também um Squirtle: carregando sob o casco duas bolsas, três mochilas, sete sacolas. Batendo na cara de todo mundo enquanto corre – sempre correndo – pra pegar aquele metrô. E tem que ser aquele. Não pode ser um igualzinho que passa três minutos depois. Outros insistem em parar bem na porta. Já fica ali garantindo a descida daqui a 14 estações, e se você falar alguma coisa, ele solta raios e trovões.
PRÓXIMA ESTAÇÃO PARAÍSO
No meio da pancadaria entre diversas espécies e evoluções dos Pokemons, entra uma grávida. HUMANA!, apita o sinal da cabeça dos bichinhos. Logo eles abrem espaço, se apertam daqui, empurram dali, escorraçam o Bulbassauro sentado pra dar lugar à mestra. Parece que só ela é realmente capaz de acalmar os ânimos. Talvez porque quando a vejam se sintam humanos também. Existe amor em SP?
AGRADECEMOS A COLABORAÇÃO