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O casamento entre verbo e música

 

Por Fernanda Pinotti e Leonardo Lopes

 

Em 1980, ao discutir sobre a capa de seu novo álbum, Adoniran Barbosa se comparou a um palhaço triste. Isso porque, por trás das melodias eufóricas de seus sambas, as letras muitas vezes também carregavam tristeza. Equilibrar-se entre letra e melodia não é apenas uma habilidade presente nas músicas de Adoniran, mas uma relação que se encontra em todas as canções. 

Qualquer composição pode ser analisada a partir do equilíbrio entre dois polos: o da música e o da fala. O compositor e mestre em Música pela UFMG, Kristoff Silva, comenta que a canção pode pender mais para um deles, mas nunca se fixa exatamente em um. Ele explica baseado na “Semiótica da Canção”, teoria criada pelo músico e linguista Luiz Tatit.

A teoria categoriza as composições em três modelos, um deles ligado à oralidade, e os outros à musicalidade. No primeiro modelo, chamado de “figurativização”, a letra da música é valorizada. Ele está mais presente no rap, por exemplo, e nos passa a sensação de que estamos ouvindo uma história. Segundo Kristoff, “o chamamos assim porque cria, na mente da pessoa que ouve, a figura de alguém falando.”

Os outros modelos valorizam a melodia. Chamados de “passionalização” e “tematização”, eles se diferem basicamente pela velocidade. O primeiro diz respeito às músicas mais lentas, que remetem a um sentimento de falta, distância e saudade. Já o segundo engloba as músicas aceleradas, que criam sensação de proximidade e alegria. E sensações diferentes podem ser experimentadas conforme a melodia se relaciona com a letra. A depender do intérprete, uma letra pode cantar um sentimento enquanto a melodia – acelerada ou desacelerada – desperta outro, como fez Adoniran.

A teoria de Tatit pode criar a sensação de que todo compositor toma uma série de decisões racionais ao fazer a canção. Mas Kristoff conta que o ato de compor pode ser involuntário em partes. Enquanto muitos refletem sobre cada nota ou palavra a ser escrita, a cantora baiana, Josyara Lélis, reitera a ideia de Kristoff: “Meu processo criativo é muito solto. Eu pego o violão para passar o tempo, e vem qualquer sentimento que esteja ali batendo para sair. Eu fico cantarolando e a palavra vem.” 

As decisões a serem tomadas durante a composição ganham outras formas quando a dinâmica é feita a quatro mãos. É o caso da sambista Manu da Cuíca, que escreve somente as letras. “O grande barato é ver as mãos dadas entre a letra que vai ser feita por uma pessoa, e a melodia por outra. Os encontros e desencontros disso”, comenta a carioca que foi campeã do carnaval de 2019 assinando o samba-enredo da Mangueira.

 

O mestre e doutor pela USP com pesquisa sobre composições, Marcelo Segreto, ressalta a importância de se olhar as canções pela perspectiva do equilíbrio entre letra e melodia. Isso porque democratiza quais gêneros musicais são aptos a serem analisados mais profundamente em pesquisas. “Entender a canção como essa oscilação é democrático. Todos os tipos, do rap ao erudito, podem ser analisados desse modo”, conclui.

Colaboradores:

Josyara Lélis, cantora, compositora e violonista baiana. 

Kristoff Silva, cantor, compositor, violonista e professor; Mestre em Música pela UFMG.

Manu da Cuíca, sambista, compositora, escritora e percussionista carioca. 

Marcelo Segreto, compositor, cantor e fundador da banda Filarmônica de Pasárgada; Mestre e doutor com pesquisa sobre canção popular pela FFLCH/USP.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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