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A ética do desequilíbrio

 

Por Yasmin Caetano

 

om mensagens de positividade, Larissa Oliveira conquistou dois milhões de seguidores em sua página “Paz e Equilíbrio” do Instagram. “Nunca esperei que uma página sobre esse assunto teria tanto alcance”, conta a profissional de Thetahealing, uma espécie de terapia quântica. Ao ponderar sobre o próprio sucesso, opina que é o “conteúdo positivo que as pessoas não encontram em qualquer lugar.”

Mas a busca pela vida equilibrada é popular – e vende. Livros de autoajuda lideraram a lista de mais vendidos no Brasil em 2019, levantou a empresa de mídia Nielsen. Inúmeros artigos com dicas de controle emocional e de tempo são encontrados em uma pesquisa rápida em buscadores da internet. A própria Larissa vende cursos livres por preços diversos. Já conquistou mais de três mil alunos com a premissa de ajudá-los a encontrar sua melhor versão.

A ideia não é nova. A filosofia antiga já equiparava vida equilibrada à felicidade. Na Grécia Clássica (IV e V a.C.), Aristóteles sauda a temperança, qualidade de quem é moderado, em Ética a Nicômaco. O indivíduo feliz controlaria hábitos viciosos, sem pecar pelo excesso nem pela falta.

O debate sobreviveu ao tempo. Hoje seu sentido está atrelado à busca incessante pela felicidade a todo custo. Uma eterna sensação de insatisfação, impulsionada pelas aparências felizes de redes sociais, empurra indivíduos para “expectativas irreais sobre a própria vida” reflete o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar ao jornal El País. 

Em grupo, desvios são fundamentais para uma sociedade saudável. Assim definia Émile Durkheim, sociólogo. Ele afirmava que transgressões, como crimes, permitem a normalidade social, pois são parte do comportamento humano em grupo.

Sem eles, haveria uma tendência até mesmo ao autoritarismo pelo controle em atos naturais, explica Marco Antonio Alves, professor de filosofia política na UFMG. Paradoxalmente, são os excessos que criam o equilíbrio em sociedade.

Ao indivíduo, emoções negativas como a raiva, o medo e a ansiedade, também são necessárias, diz Ben-Shahar. Para ele, “A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas”. Livros de autoajuda em alta e a procura por uma rotina controlada são o efeito, e não a causa. 

Contribuíram

Roberto Bolzani Filho, professor de Filosofia Antiga na USP

Bernardo Lins Brandão, Professor de Língua e Literatura Grega na UFPR

Marco Antonio Alves, Professor Adjunto de Teoria e Filosofia do Direito na UFMG

Sérgio Sardi, professor adjunto na Escola de Humanidades na PUC-RS e filósofo

Leticia Oliveira, criadora da página @pazeequilibrio no Instagram e terapeuta de ThetaHealing

Ana Leticia Adami, doutora em filosofia pela USP

Outras fontes

El País Brasil. “A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas” https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/03/estilo/1570124407_210391.html

Entre o certo e errado, valores e gerações

 

Por Mariana Cotrim

 

Se hoje vamos a um clube noturno, é comum presenciar casais se formando, além de carícias e beijos sendo trocados em público. Mas há 60 anos, uma cena como essas seria inimaginável para Zélia Gomes, 77 anos. Para seus pais, namoros expostos contrariavam a ideia de “andar na linha”.

Essa expressão ainda é presente entre jovens de hoje e, assim como antes, ela denota regras, naturais para qualquer interação social. Contudo, a  ligação com valores de uma geração faz com que a definição do “andar na linha” mude entre famílias. Se para Vivian Dias, 17 anos, pode ser lutar pelo seu futuro, para Edite Pestana, da mesma geração de Zélia, usar uma minissaia extrapolava o limite imposto pela época. E mais, se sair da linha não era nem uma opção para Raimundo Gomes, hoje com 85 anos, jovens atualmente consideram esse ato essencial para adquirir experiências, como para Giovanna Rocca, 17 anos. 

A psicóloga Daniela Daleffe, especialista em análise do comportamento, aponta a importância do equilíbrio entre o “sair” e o “andar” na linha. Segundo ela, sendo a expressão variável em diferentes grupos sociais, uma pessoa que se atenta rigidamente a um tipo de regra imposta pode ter dificuldades para se adaptar a outro ambiente.

Quando se fala em regras, os contextos sociais e culturais também são importantes para a definição do certo e errado, e a contestação desses valores contribui com a mudança dos limites na sociedade. Essa reavaliação foi mais visível no Brasil a partir de 1950, com a Contracultura e a Revolução Sexual. No mesmo período do golpe militar, jovens de diferentes movimentos contestavam o que era visto como retrógrado. 

Assim, enquanto colégios brasileiros proibiam o uso de minissaias e mulheres causavam espanto ao usá-las, passeatas feministas como o Women’s Liberation Movement ganhavam corpo, principalmente nos Estados Unidos. Esses atos possibilitaram o uso da vestimenta sem que mulheres precisassem se esconder, como fazia Edite quando saía, e permitiram uma mudança nos valores que rodeiam hoje Vivian e Giovanna em suas decisões sobre o futuro. 

Essa ampla contestação dá a Zélia a ideia de um momento atual menos rígido. Isso permite que Giovanna, por exemplo, não fique presa somente ao que é considerado certo ou errado, mas também às experiências que compõem sua vida. Também dá abertura à discussão de Daniella, sobre como o equilíbrio entre o excesso de regras e as infrações são importantes para o desenvolvimento social.

Colaboraram:

Daniela Daleffe, psicóloga formada pela PUC-Campinas. Atua com psicoterapia infantil, de adolescentes e adultos e dedica-se a grupos de estudo e supervisão em Análise do Comportamento;

Natália Cristina Batista, pós-doutoranda no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Grupo de Autoritarismo e Resistência e membro do núcleo de História Oral da UFMG;

Orivaldo Leme Biagi, doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas, coordenador do curso de Direito do Centro Universitário UNIFAAT.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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