Arte: Suelyton Viana
“Tá vendo esses cookies?”, pergunta Davi, segurando embalagens conhecidas de biscoito. Aqueles crocantes, com gotas de chocolate que derretem na boca e que dão vontade de comer só de lembrar. “Vou te provar que eles não são feitos de chocolate”, continua Davi, puxando o espectador para a realidade. Ele está certo: enquanto na frente do rótulo está escrito “cookie com gotas sabor chocolate”, atrás, na lista de ingredientes, descobre-se que o “sabor” é feito de açúcar e gordura vegetal – e nada de chocolate.
Esse é apenas um dos segredos nos rótulos dos alimentos que o gastrólogo e influencer Davi Laranjeira leva seu 1,3 milhão de seguidores a desvendar. Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) implementou mudanças na rotulagem para melhorar a qualidade das informações disponíveis. O destaque foi a adoção da lupa na parte frontal da embalagem, que revela se um produto é alto em sódio, açúcar ou gordura saturada. Ainda sem estudo oficial, ela já parece dar resultados.
Pesquisa da Bain & Company, publicada pela Folha de S. Paulo em março, revelou que 56% dos consumidores repararam no novo rótulo. Destes, 46% desistiram de comprar o produto ou pretendem reduzir o consumo – por mais delicioso que seja. Apesar do avanço, vídeos como o de Davi revelam que há ainda o que melhorar.
Para Mariana Ribeiro, analista de pesquisa do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), as novas regras ficaram aquém das evidências que a ciência já tinha no início das discussões, em 2014. A escolha da lupa em detrimento de outros símbolos de alerta, a comunicação falsa (como o “sabor” chocolate) e a lista de ingredientes em letras miúdas são apenas alguns dos mecanismos que mantêm os mistérios das prateleiras.
Como informação nunca é demais, a leitura do Guia Alimentar para a População Brasileira é recomendada, além da regra de ouro: evite os ultraprocessados. Para identificá-los, leia a lista de ingredientes. Nela, os elementos são declarados por sua proporção no produto, então, se começar com “açúcar”, vale a atenção, assim como a presença das palavras corantes, aromatizantes e edulcorantes (adoçantes).
Colaboradores: João Peres, co-fundador do Joio e o Trigo, Tiago Rauber, coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos da ANVISA
Água que escorre por finos furos de um grande regador e molha as flores do lado de fora. A bendita é bem recebida, afinal, o domingo ensolarado caprichara em seus mais de 30º. As pétalas se abrindo para anunciar o desabrochar de um novo expediente. Ansiosas, assim como eu, por saber, afinal, quem serão os próximos a pedir licença e entrar na dança.
A gastronomia é uma dança. O sabor, a melodia que envolve todos os elementos e cativa até os mais desprevenidos ou emburrados. Mas ele não é nada sozinho. Por dentro, o restaurante é rodeado por paredes vermelhas e verdes – seria a Itália? Há quem diz que pode ser paixão e esperança. Não falam sem razão – não são esses os sentimentos despertados ao sentar-se diante de uma refeição?
As mesas de madeira e o pequeno tapume de tijolos indicam que estamos em casa. Porque casa é onde as batidas do coração são tranquilas e afetuosas. É também onde o estômago expira aconchego e satisfação. Casa, lugar comum, mas único.
Na estrutura em frente ao balcão, estão penduradas cebolas e dentes de alhos. Os mesmos que agora são cortados em perfeitos quadrados e que, em breve, darão sabor ao risoto. Mas vamos com calma. Nem música, nem gastronomia são simples e objetivas assim.
Sérgio está à frente da cozinha hoje. Não considera o ácido, o cítrico, o doce ou o amargo os elementos principais de um prato. Para ele, o mais importante é, ao dar a primeira mordida, voltar à infância. Quando passava tardes na casa da avó com os primos. Comida de vó, a melhor do mundo.
O chef conta-me que a arte de cozinhar é sempre a arte de persistir – porque haja tentativa! Muitos erros, alguns deslizes, outras precipitações. Até que, voilá, chegamos ao ponto perfeito. Acertamos. Emocionamos.
Voltemos à cebola. Picada, agora vai à panela com manteiga. Duas colheres é o suficiente. Refoga até ficar branquinha. Aqui já sinto gosto de vó – o cheiro me leva a isso. Os olhos marejam, não sei se pelo bulbo ou pela saudade.
Acrescenta-se o arroz arbóreo e meia garrafa de vinho branco. Depois, um pouco de caldo de legumes. Caseiro, por favor. Comida boa é comida feita em casa – ou no restaurante-casa. Meio litro está de bom tamanho.
Assim que os líquidos secam, é hora de desligar o fogo. Esse é o pré preparo. Não disse que nada é tão simples assim? Cozinha é paciência, Sérgio já havia me dito. Despeja-se a mistura em uma assadeira para esfriar.
Carol, dona da casa, chega para arrematar os últimos detalhes. São 11h45, daqui quinze minutos as portas se abrem. “Colocar todo o amor no seu trabalho é o jeito mais bonito de projetar o futuro”, já diz a tela de fundo do computador. É música – todos os elementos seguem o mesmo arranjo. Nesse caso, amor.
Puxa a mesa de madeira um pouco para a direita. Ajeita os guardanapos sobre ela. Pronto!
Das caixas de som, saem acordes franceses. Apesar de restaurante italiano, o ambiente é inclusivo. Todos são bem vindos. Prato multicultural é difícil de preparar. Mas quando consegue… Ah! É a prova de que amor é ingrediente universal.
O relógio bate as doze badaladas. Dois dançarinos acomodam-se em uma das mesas. Pessoas de idade – e tinha como ser diferente? Vó e vô em um espetáculo incrivelmente saboroso.
Na cozinha, Sérgio retorna o conteúdo da assadeira para a panela. Mais um pouco de caldo de legumes, parmesão, meio pedaço de mussarela de búfala, tomatinho, azei… Salivo. Esbaldo. Não há contenção.
Colocado em prato de ágata, o risoto toma seu rumo: o coração dos idosos. Aprendi que comida não é para nenhum sistema digestivo – disso, os nutrientes e vitaminas se encarregam.
Assim que posto à mesa, os olhos do casal arregalam. Sérgio me explicou que nada ali é chique. O negócio é ser simples. A ágata foi escolhida porque é rústica. Mas não pense você que isso torna a coisa fácil. Não, não. Segundo o chef, o simples é ainda mais difícil que o sofisticado.
As flores que enfeitam a mesa também ficam mais robustas. Sentiram o cheiro, é claro. Outrora foram regadas com água; dessa vez, o alimento é amor. Não existe melhor.
Todos estão, finalmente, entregando-se à dança. É hora de fechar os olhos. Delicie-se.

Molho de tomate, gelatina de morango, hot dog – “Eu amava cachorro-quente”. Poucas coisas fazem tanta falta para Paula de Lira quanto este último. Há 15 anos ela evita produtos com corante vermelho: passou a ter inflamações na pele ainda criança, sempre que comia um produto colorido artificialmente. Hoje, aos 25 anos, a salsicha não causa mais reações na pele da assessora de imprensa, mas fecha a garganta – não pode comer de jeito nenhum.
A alergia a corantes é rara e difícil de ser identificada, afirma a médica e diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatogia (ASBAI), Ana Paula Braga. Como reações a determinados alimentos são mais comuns, o pigmento é deixado de lado como possível origem das inflamações.
Cabe ao médico estabelecer a correlação entre os sintomas e a alimentação do paciente, para depois conduzir os chamados “testes de provocação”, uma tentativa de reproduzir os efeitos para verificar se de fato o corante é a causa da alergia. Depois disso, o que tinha a fazer era evitar o contato com esses produtos artificiais. Tarefa complexa numa sociedade com tantos alimentos industrializados, e ainda mais difícil para uma criança.
No caso de Paula, essa correlação aconteceu em casa mesmo: ao lado da mãe experimentava e anotava o que poderia ou não fazer mal. Quando pequena, se lembra bem de não poder comer pipoca doce e ter que manter um corte “joãozinho” por conta das feridas no couro cabeludo causadas pela alergia ao corante vermelho.
Já para Lívia Mersson, 22, o difícil era evitar os doces sabor morango: “Sabe bicho de pé? O doce rosinha? Acho lindo e nunca pude comer”. A radialista conta que a resistência baixa contribui para deixá-la mais vulnerável a ter uma reação ao escarlate artificial, tanto através de alimentos como de produtos para a pele.
A descoberta veio quando ela ainda era muito nova, e itens comuns da infância – como danoninho rosa e mertiolate de cor escura e avermelhada – passaram a causar coceira no braços, nas pernas, no peito. Já adulta, lida com a falta do corante de forma quase automática. Um batom nude no lugar do magenta que inflama o lábio, e a maquiagem não perde nada com isso.
Paula também encontrou um jeito de conviver com a alergia. Anos de experiência com vermelho artificial fizeram com que soubesse seus limites – sempre com a precaução de carregar seu antialérgico. “Sofri bastante sendo criança e tendo que saber o que comia, mas evitar os corantes acabou me levando para um lado mais natural, mais saudável”, conta.

Todo dia, um pouco antes das 17h, paro minha Towner azul escura a poucos metros da saída do metrô. Com os meus cachorros-quentes, salgados e churros recheados espero o povão que se dirige para a fila (cada vez mais enorme) da lotação. É um bairro residencial, o que me possibilita estar quase sempre no mesmo lugar. Do outro lado da calçada também tem quem fica com seus carrinhos vendendo batata-frita, churrasquinho, tem espaço pra todo mundo.
Na teoria, eu não podia estar ali. Em 2013 o prefeito Haddad sancionou uma lei que “regulamenta” o comércio de comida na rua. Eu teria que ter um TPU (Termo de Permissão de Uso) para poder deixar minha van parada na rua. São quase 900 desses que prometeram pela cidade toda.
Até agora não saíram tantos do papel, é muita burocracia. São 13 documentos só pra poder concorrer por um espacinho de rua da cidade. Ela não é pública? Com essa lei, eu não poderia ficar aqui onde estou mesmo com a papelada porque é perto do metrô. Também é proibido ficar perto de estação de trem, escola, restaurante, bar ou qualquer lugar que venda comida, além de pontos de ônibus e táxis, regiões exclusivamente residenciais, e ainda tem mais. Não sobra muito lugar mesmo.
Vou embora sempre depois das 20h, mas não fico muito mais, porque o movimento começa a diminuir. Algumas das barraquinhas continuam até bem de noite pra pegar o pessoal que está voltando da faculdade.
Se já tive problema com polícia ou fiscalização? Aqui eles quase nunca passam, é um bairro mais tranquilo. Mas tá cheio de casos, inclusive de barraquinhas famosas, que tiveram de sair da rua por não ter o TPU. No nosso caso, ser despejado é exatamente não poder ir pra rua.
Oportunidade Gourmet
Foi aproveitando essa nova cultura “gourmet” que me arrisquei a abrir um food truck. As pessoas querem um espaço para relaxar à noite, comer algo bom tomando uma cerveja. Infelizmente não é tão fácil conseguir uma licença da prefeitura pra vender na rua, por isso vim para um desses food parks. Aqui ainda somos livres pra vender bebidas alcoólicas, o que na rua é proibido.
Também participo de feiras gastronômicas e outros eventos que precisam do nosso serviço. As empresas que organizam vários desses eventos chegam a lucrar até R$ 2 milhões por ano.
O investimento pra entrar no negócio dos food trucks normalmente varia entre R$ 150 mil e R$ 300 mil. Pra poder lucrar precisa ter um pouco de paciência. Mas a tendência é que o mercado cresça cada vez mais.
Aqui no Brasil o conceito de comida de rua vem ficando cada vez mais ligado à comida da moda, o que nem sempre é barata. Mas queremos conseguir popularizar e levar o negócio para cada vez mais gente. Fazer isso no espaço público seria mais fácil, mas é possível fazer em espaços como este e feiras gastronômicas também.
Entendo o lado da prefeitura em tentar regular os negócios de comida de rua, mas isso torna tudo muito burocrático. São muito mais pedidos do que vagas para os TPUs oferecidos pelas subprefeituras. A ideia do food truck, de ter um negócio “itinerante”, que possa andar pela cidade, não combina muito com essa proposta de um lugar fixo, como se fosse um prédio no meio da rua que paga IPTU.