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Uma mente em reconstrução

 

Por Alvaro Logullo

 

 

Parada em frente ao espelho, Aline não tem coragem de encará-lo. Os olhos vermelhos e a pele da face ressecada são reflexos das lágrimas salgadas e de horas sem dormir. Em seu ouvido, uma voz que lhe atormenta. É incapaz de viver assim. E reza para que isso acabe.

 

Saber o que deixou Aline doente não importa. Uma vez presa nas armadilhas do psicológico, o maior problema não é descobrir o responsável por criá-las, mas sim, lutar contra essa voz dentro de si mesmo dizendo que jamais será possível escapar delas.

 

Aline ouviu essa voz por muito tempo. Acordava durante a noite com medo dos pesadelos. Dormia novamente desejando nunca mais acordar. Sentia uma obrigação de viver. Não queria mais isso. Pensou em demolir tudo. Suicidar-se.

 

Mas não o fez. Não implodiu. Agarrou-se na religião, seu abrigo. Aline decidiu pela vida, mas seguiu sentindo-se vazia. Com seu pai, permanecia em silêncio. Incapaz de se expressar. A mãe, que chorava sozinha pela filha, sorria à sua frente tentando animá-la. Deixou de sair com os amigos, que, mesmo assim, abriam mão de seus compromissos para não abandoná-la em sua solidão. Percebia todos a sua volta lutando por ela, sem poder atender suas expectativas. Era o próprio fracasso.

 

Como se estivesse dentro de um liquidificador, sentia-se triturada pela vida, enquanto era arremessada para todos os lados. Ainda assim, não havia analogia capaz de descrever a verdadeira sensação de “ser insuficiente”. Estava desmontada.

 

Reconstruir-se seria uma tarefa díficil. Aline negou um terapeuta e se recusou a tomar remédios fortes. Tinha medo dos efeitos colaterais. Aceitou um tratamento homeopático. Remédios que não agem diretamente no sistema nervoso do indivíduo. Algo mais demorado e que exige uma avaliação minuciosa do paciente.

 

A partir daí, Aline atravessou um processo de enfrentamento consigo mesma, em busca da reconstrução. Por muitos dias, saiu sozinha, durante a madrugada, para caminhar. Refletia, organizava os pensamentos, aceitava-se. Desses momentos, retirava forças para viver o dia seguinte.

 

Aos poucos, o destino de Aline foi ganhando novos contornos. Deixou sua cidade no interior para estudar na capital. Uma nova estrutura. Novos ares. Novas experiências, novos amigos, uma nova perspectiva. Tais elementos foram os tijolos que Aline empilhava aos poucos, com cuidado. Eventualmente, a vida derrubava algum deles que não estava firme na estrutura. Mas uma pequena queda já não abalava tanto. Era uma nova Aline.

 

O engatilhador do quadro depressivo em uma pessoa é variável. Algo insignificante para um, que pode ser determinante para outro. Aline teve sorte. Sorte por contar com pessoas que não desistiram dela, que se sacrificaram, sofreram com ela e não ignoraram sua dor. Somado a isso, uma enorme força de vontade. Soube utilizar o processo como aprendizado e foi capaz de compreender que a vida, às vezes nos desmorona. E o que resta é nos reerguer.

 

Hoje, Aline olha para o espelho e sorri.

 

A depressão é cinza

 

Por Paula Mesquita

 

 

“Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome

 

    Cores de Almodóvar

         Cores de Frida Kahlo

                     Cores”

 

A doçura da música de Adriana Calcanhotto me cativa desde criança, quando a ouvia tocar no rádio do carro de minha mãe. Na época, nem fazia ideia de quem seriam Frida Kahlo ou Almodóvar; sabia apenas que tinham nomes engraçados, e que, como eu, deveriam gostar das cores. O amarelo, minha preferida desde os doze anos, me remetia ao calor, vida, otimismo. E eu sempre me considerei uma pessoa otimista. Entusiasmada com o caminho que via à frente para a minha vida, amarelo reluzente como o sol.

 

De repente, tudo era cinza. Não foi gradual a minha transição para a vida incolor; fui simplesmente tomada de assalto. O azul do céu do interior, que brilhava sobre minha cabeça todas as manhãs quando ia para a escola, cinza. O vermelho vivo do meu batom favorito, cinza. As árvores, outrora tão verdes, cor nenhuma. Nada. Tudo chumbo, concreto, opaco.

 

 

Me tornei uma grande massa cinzenta por dentro – e por fora, como todos ao meu redor pareciam fazer questão de apontar. “Como você emagreceu tanto?” “Que cara de cansada!” “Por que eu não te vejo mais?”

 

Ilustração_moça_pintada

 

Por que não me vê mais? Não sei, mas nem eu me vejo mais; talvez esse seja justamente o problema. Uma névoa terrível embaça todos os espelhos e impede que a vista alcance até a mim mesma. E de que importa?

 

O cinza por todos os lados sufoca como uma prisão, da qual não parecia haver escapatória. Cinza é a cor da mordaça que me sufoca; é, também, a cor do tédio – este, talvez, ainda mais perigoso do que a mordaça. Com o alívio que o não sentir representa, um alento para corpo e mente exauridos dos longos períodos de sofrimento intenso, vem junto o desapego que impulsiona uma rota de fuga pela janela do sexto andar.

 

Mas não, a questão nunca foi essa. Cair de cabeça na imensidão disforme não resolverá, não me fará voltar a ver o arco-íris de que tanto sinto falta, e eu sempre soube disso.

 

O que fará, então? Basta querer? Porque eu quero ver. Eu quero ver, quero ver muito! Por favor, alguém me dê algumas canetinhas, uma caixa de lápis, vou criar o meu colorido. Se me arrumarem tintas e um pincel, quem sabe posso me tornar, eu mesma, minha própria Frida Kahlo. Sem arrogância, sem pretensões de ser uma grande artista… Apenas suficientemente satisfatória para pintar alguma vida no quadro da minha existência.

 

Para que finalmente os raios de sol voltem a  beijar minha pele e colorir meu caminho daquele amarelo brilhante da minha infância.  Ou então de rosa, verde, azul, sem preciosismos; se precisar, também pode ser aos pouquinhos. Mas vê se não demora, tá bom, arco-íris? Porque já estou há tempo demais debaixo dessa chuva.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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