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revelações da imensidão

 

Por Matheus Nascimento

 

Arte: Pedro Ferreira e Rebeca Alencar


Fé que foi de lá! Que foi do sopro no corpo de barro ungido pelas mãos benevolentes do Deus cristão. Que foi da manifestação dos orixás que rege cada candomblecista e umbandista em suas diferenças. Que foi do poder de vibrações divinas ou do sopro de Alá na particular estrutura de um feto humano. 


Nessa mesma maré: a ciência, afirmando que foi de um ser microscópico. Até o surgimento de uma espinha dorsal, do mais remoto vertebrado da Terra.


Afinal, de onde viemos? No mar das religiões estamos navegando num barco, cheio de redes, que traz consigo desde o resoluto ateu ao afirmado crente.


A fé são as ondas, que o levam para frente. E o comandante? Cada um diz o seu. No final, o silêncio domina, pois somos como pequenos peixes em um oceano de religiões.


Para muitos, o comandante é uma força que guia. Mas como a fé nos auxilia? Para alguns, ela dá uma resposta; para outros, segurança. As religiões possuem nas suas teologias o poder da atração de fiéis, e isso ocorre através da mistura das nossas referências religiosas, familiares e culturais. Elas nos capturam: nós, criaturas soltas pelo mar com desejo de pertencer. 


Mas nela ainda existem conexões difíceis de se explicar. Quanto vale apostar na fé, se no íntimo ninguém tem acesso a uma conclusão verdadeira sobre a vida e na maioria das vezes não sabe por que adere aos dogmas da sua crença?


O pensamento espírita reflete que a inteligência humana ainda é pouco capaz de compreender o que há por trás da grandiosidade do Universo. Essa é a manifestação da dificuldade humana de compreender o fator extraordinário presente nas religiões.


São inúmeras as culturas que ao longo da história produziram suas próprias respostas para o descontentamento do ser humano com o divino. A cada evolução da humanidade surgem respostas, mas a dúvida persiste. 


O que causa essa sensação de medo e ao mesmo tempo de confiança em um Ser Superior é explorado através das revelações. E elas podem vir como uma profecia, uma visão, uma ocasião que justifique essa força invisível. Mesmo assim, seguimos navegando neste barco que aproxima espiritualmente o Criador à criatura. 


E para que nele a paz seja plena, ninguém pode afundar. Porque existe um ponto comum em todas as crenças: o de que a plenitude espiritual só é alcançada quando se reconhece a insignificância da humanidade na Terra. 


Não temos certeza, por isso seguiremos dizendo: “Fé que foi lá!”


colaboraram:

Alexandre Lopes, diácono

Aluísio Júnior, membro da Igreja Bíblica da Paz e professor de teologia cristã

João Simoncello Filho, diretor da Associação Presbíteros de auxílio a padres

Marta Antunes Moura, vice presidente da Federação Espírita Brasileira

Ìyá Inaê D’Yemanjá, umbandista e cartomante

Sexo é escolha, amor é sorte

 

Por Luana Benedito e Luana Franzao

 

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Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

 

 

Mais da metade, ou 55,8%, dos estudantes brasileiros de 16 a 17 anos das redes pública e privada já tiveram relações sexuais, segundo dados do IBGE de 2019.  Na faixa etária de 13 a 15 anos, a porcentagem é de 24,3%, e, entre todos esses adolescentes, 36,6% transaram pela primeira vez com 13 anos ou menos. 

 

Embora possa parecer que os brasileiros têm pressa em começar os trabalhos, ainda há pessoas convictas que, contrariando o clichê de que no Brasil é “Carnaval” o tempo inteiro, escolhem esperar até o casamento antes de dar a primeira mordida na maçã. O que causa estranhamento, por diversos motivos. E se a lua de mel for horrível? E se não houver compatibilidade? Não é importante experimentar com pessoas diferentes? São algumas perguntas que rondam a mente dos jovens sexualmente ativos.

 

Só que os adeptos do celibato tendem a dar de ombros para esse tipo de questionamento. Para eles, o estranho não seria, justamente, se precipitar?

 

Saia da casa dos seus pais, arrume um cônjuge e só aí a vida sexual pode começar, diz Nelson Junior, pastor e fundador do movimento cristão Eu Escolhi Esperar, citando Gênesis 2:24 – isso, claro, se deseja viver fora do pecado. Se seguir a palavra divina, Deus colocará a pessoa certa no seu caminho, e, depois de unidos na saúde e na doença, o sexo consumará uma aliança eterna. 

 

Para a influenciadora digital cristã Duda Leal, 24, que escolheu esperar, o casamento é um espelho do que foi a relação de Cristo com a Igreja – um amor tão forte que um seria capaz de dar a vida pelo outro. “Eu quero ter isso com um companheiro”.

 

E não é apenas a fé que leva à tardança, mas também a busca pela alma gêmea ou a falta de parceiros. Tive alguns rolinhos sérios, mas não confiei em ninguém”, diz Letícia, 20, ao relatar que gostaria de escolher “alguém especial” para o ato e que sua espera “não tem nada a ver com motivos religiosos”.

 

Malu e Danilo, ambos 23, que são casados e esperaram a união, citam a vontade de ter uma conexão amorosa antes da física como um dos principais motivos da decisão: “Um relacionamento não depende do toque”. Eles relatam que foram questionados várias vezes e já sentiram resistência em falar sobre com opositores: “Tem gente que joga uma bomba em cima disso, mas é um propósito”.

 

Impressões externas à parte, a decisão de esperar deve ser tomada com cautela, alerta a sexóloga Bruna Fernandes. Muitas vezes, escolher esperar envolve a busca por uma pessoa perfeita, o que pode gerar frustração. Afinal, todos têm defeitos.

 

Ela também diz ser muito comum receber em seu consultório pacientes que, mergulhados em comunidades conservadoras, passaram a acreditar que seus desejos sexuais – puramente biológicos – são errados, o que pode levar a disfunções na “Hora H”.

 

Mas isso não significa que o celibato leva sempre a problemas, ressalta. O risco é o jovem não estar consciente do funcionamento de seu corpo e confundir seus impulsos sexuais com algo ruim.  “Não existe virada da chavinha depois que a pessoa casa; isso é algo que ela vai levando para a vida.”

 

Colaboraram:

Bruna C. Fernandes, sexóloga e psicóloga

Darci Vieira da Silva Bonetto, doutora e membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Curso Básico disponibilizado pela organização Eu Escolhi Esperar, ministrado por Nelson Junior, pastor, e Angela Cristina, pastora

Maria Eduarda Leal, estudante e influenciadora

Letícia Anção, estudante

Malu Ponso, influenciadora

Danilo Cantieri, dreadmaker

Valentina W., estudante

Andressa F., estudante

Juliana R., estudante

Em razão da fé

 

Por Guilherme Bolzan

 

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Arte por Júlia Carvalho

 

Ao dizer “Eu não quero acreditar, quero saber”, o cientista Carl Sagan mostra a oposição entre razão e crença na sua cabeça. Mas o mesmo não acontece com pessoas que buscam respostas além da ciência, seja em religiões ou na astrologia, numerologia e tarot. 

 

O sociólogo Amaro Braga explica que a crença surge como uma maneira de dar respostas e curar angústias, ao mesmo tempo, criava comunidades e costumes para permitir a sobrevivência do grupo: acreditar era saber. Porém, com o desenvolvimento técnico-científico, a crença passou a exercer outra função na cabeça dos adeptos: “As religiões passam por um processo de racionalização — se apropriam da ciência para continuar seu trabalho”, afirma ele.

 

Esse processo pode ser observado no espiritismo, discute Marta Antunes Moura, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira. Sua “fé raciocinada” promove que os adeptos o vejam não como uma doutrina inflexível, mas como um conhecimento que estuda vidas passadas e, através delas, encontra as causas do sofrimento humano, como dificuldades financeiras ou familiares, e as alivia.

 

Outras crenças, como a numerologia e astrologia, também passam pela racionalização. “Existe um misticismo por trás, mas minha relação com ela é mais como uma ciência: eu consigo definir e ler o ser humano”, afirma  a professora e numeróloga Nanni Ribeiro. Já para Mara Castro, professora-chefe da Escola de Astrologia de Brasília, seu estudo não se encaixa no molde atual de ciência, como astronomia. Ainda assim, “são métodos distintos que muito mais se complementam do que divergem”. A diferença é na abordagem: “A astrologia busca o sentido nas decisões, de forma que as deixam tranquilas”, explica ela.

 

Nesse sentido, outra adaptação é a da função social da crença, que deixa de ser “prover a verdade”, para se tornar uma terapia espiritual, explica Amaro Braga. Mesmo presente em muitas crenças, o numerólogo e motivador pessoal Danilo Sena a destaca em seu campo: “Ele ensina a pessoa a encontrar a si mesma”. Diferente das ciências, esses conhecimentos são individualizados, o que os torna ainda mais atrativos.

 

Por mais que pareça contraditório, o impulso por trás de saber e acreditar, mencionado por Sagan, é o mesmo — ainda que com métodos e resultados muito diferentes. “A gente está em uma era em que tudo é registrado, mas ninguém consegue saber se ele vai ligar no fim de semana”, afirma o professor-fundador de uma escola e comunidade de tarot, Wayner Lyra. Para ele, mesmo diante de um mundo tecnológico e científico, as pessoas ainda têm uma atração pelo que está além da razão — e é aí que essas crenças encontram seu espaço na nossa cabeça. Mas… será que ele liga mesmo?

 

Colaboraram:

Amaro Braga, doutor em sociologia pela UFPE, antropólogo pela UFAL e professor na nesta instituição, onde pesquisa Religião Comparada

Constantino K. Riemma, pesquisador e administrador do Clube do Tarô

Danilo Sena, numerólogo cabalístico e motivador

Mara Castro, psicóloga, psicoterapeuta e professora-chefe da Escola de Astrologia de Brasília

Marta Antunes de Moura, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira

Max Lamdscek, numerólogo e professor de numerologia

Nanni Ribeiro, numeróloga e professora de numerologia

Wayner Lyra, tarólogo, professor de tarot e fundador da escola e comunidade de tarot Aurora do Tarot

 

Sai desse corpo!

 

Por Júlia Pellizon

 

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Cresci em uma Igreja Católica Apostólica Romana. Nesse domingo, resolvi conhecer a Igreja Católica Renovada, notável pelos rituais performáticos e exorcismos coletivos. No número 174 da Rua Guarapuava, perto da estação Bresser-Mooca, localiza-se o Santuário do Bom Jesus. Na fachada há um letreiro escrito à mão com as palavras “Padre Jader Pereira”. Era o padre exorcista que procurava.

Eram 14h56 e a Missa de Cura e Libertação começava em minutos. Às 15h15, entra Padre Caetano no altar. Puxa cantos e anda de um lado para o outro sem parar. Os fiéis, agora somando uma centena de pessoas, não parecem muito concentrados. Uns chegam, outros se abraçam e crianças correm pelos corredores durante a missa.

Enquanto canta, Padre Caetano averigua uma sala em um recuo do altar. Lá estava o criador do santuário, Padre Jader. Seu discípulo pede para todos se erguerem e o padre exorcista entra aplaudido de pé pelos fiéis. Durante a homilia*, Jader cita a distribuição de água benta exorcizada ao final da missa, “para levar a quem possui males espirituais”.

Depois de alguns rituais iniciais, ocorre a libertação, uma espécie de exorcismo coletivo.

Padre Jader pede aos presentes para esticarem os braços com as velas nas mãos, compradas em uma loja ao fundo da igreja. Cada uma corresponde a um anseio: vela branca, para curar doenças físicas; vela azul, para transtornos espirituais; e mais umas seis cores, cada uma referente a emprego, família, amor e outros possíveis desejos de um ser humano. Os fiéis erguem a vela e o padre atenta: “Se alguém, ao acender a vela, passar mal, fique tranquilo”. Os ajudantes do santuário, vestidos com um colete amarelo, passam com as velas acesas e repassam o fogo.

“Fechem os olhos”. Os presentes colocam as velas no chão, cerram as pálpebras e Jader começa a sessão. Amansa a voz, profere palavras de elevação de auto-estima e expulsão de negatividade. Para tirar do corpo quaisquer “males, macumbas e feitiços”, diz. “Agora é a hora da LI-BER-TA-ÇÃO”. No “-ção” a música Fortuna, de Carmina Burana invade o santuário. As pessoas choram e se entregam ao momento. Os ajudantes passeiam entre os fiéis para caso alguém se sentisse mal. Não, todos se mantiveram sob controle.

Os ânimos se acalmam.

As velas usadas ao longo da celebração não podem ser levadas para casa. É como se os problemas fossem transferidos para elas. Por isso, são colocadas na Gruta Milagrosa do Bom Jesus, ao lado da lojinha no fundo da igreja.

Velas, óleos para curar dores, água benta, terços e até pequenos travesseiros com a estampa do rosto de Padre Jader são encontrados nesse bazar. Rosa, uma pernambucana faladeira, conheceu o sacerdote por meio de seu programa matutino de rádio. Frequentadora do santuário, há quase três anos passou pelo exorcismo (libertação). Buscou a igreja pelas dores de cabeça intensas e, com auxílio do padre em sua primeira visita, descobriu que haviam feito uma “macumba” contra ela. Uma colega de trabalho confessou e confirmou e feito. Após pegar um absorvente usado de Rosa, e colocá-lo em um papel com o nome dela no meio, a colega ateou fogo nesse pacote. Assim, de acordo com Rosa, jogou sua alma para todos os males do mundo. Porém, conseguiu se libertar com o exorcismo de Padre Jader.

O ritual dura por volta de 1h30. Emocionei-me no momento da libertação. A mistura de música e palavras volumosas fez meus olhos lacrimejarem. Desde então, uma grande dor de cabeça me atingiu e só reparei a intensidade ao sair do Santuário. Sou, de certa forma, cética. Mas, quem sabe, a libertação não passou por mim também?

*Palestra dada pelo padre após a leitura do Evangelho, trecho retirado do Antigo ou Novo Testamento.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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