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A mobilidade inconsciente

 

Por Pedro Ferreira

 

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre

Olhos fechados. Respiração sutil. Corpo imóvel. As referências que podem facilmente ser associadas a uma pessoa dormindo também compõem um quadro de inconsciência mais profundo e ainda misterioso, o coma.

A condição é caracterizada pela perda prolongada da consciência e a ausência de resposta a estímulos do ambiente. Ele é um estado que evidencia lesões estruturais ou não estruturais do Sistema Nervoso Central decorrentes de traumas, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), tumores, inflamações e outras condições.

Apesar de poder acontecer de forma natural, o coma também pode ser induzido através de fármacos para preservar a região afetada. Wagner Tavares, neurocirurgião do Hospital das Clínicas da FMUSP-SP, conta que o objetivo dessa abordagem é reduzir o funcionamento dos neurônios para poupá-los de atividade em situações que demandam repouso do cérebro.

Esse foi o caso de Jaine Silvestre, profissional de Recursos Humanos. Por ter tido complicações após uma cirurgia, teve uma infecção generalizada e foi induzida à condição. Ela conta que, enquanto estava desacordada, sabia que estava em um hospital, mas não lembrava o motivo. A sua inconsciência foi tragada por pesadelos. Em sua mente, as enfermeiras tentavam matá-la queimada ou afogada, e era perseguida a todo instante. Tudo isso sentido vividamente por ela, mesmo desacordada.

Duas semanas se passaram. Ela ouvia sua família falando com ela, mas não conseguia responder. Aos poucos foi retomando a consciência até despertar, confusa com o que havia acontecido e com quanto tempo havia se passado. Segundo Tavares, é comum que pacientes percam a noção temporal durante o coma e acordem confusos. Na grande maioria dos casos, eles não se lembram de qualquer coisa.

Para Jaine, o estado de coma foi um intenso processo espiritual e psicológico. O tempo que passou desacordada na verdade despertou nela um senso de gratidão e uma nova ótica para enxergar o mundo. Ainda que imóvel e inconsciente, o tempo passa e a vida continua.

Colaboraram:

Jaine Silvestre, profissional de Recursos Humanos

Wagner Tavares, neurocirurgião do Hospital das Clínicas da FMUSP-SP

Sexo é escolha, amor é sorte

 

Por Luana Benedito e Luana Franzao

 

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Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

 

 

Mais da metade, ou 55,8%, dos estudantes brasileiros de 16 a 17 anos das redes pública e privada já tiveram relações sexuais, segundo dados do IBGE de 2019.  Na faixa etária de 13 a 15 anos, a porcentagem é de 24,3%, e, entre todos esses adolescentes, 36,6% transaram pela primeira vez com 13 anos ou menos. 

 

Embora possa parecer que os brasileiros têm pressa em começar os trabalhos, ainda há pessoas convictas que, contrariando o clichê de que no Brasil é “Carnaval” o tempo inteiro, escolhem esperar até o casamento antes de dar a primeira mordida na maçã. O que causa estranhamento, por diversos motivos. E se a lua de mel for horrível? E se não houver compatibilidade? Não é importante experimentar com pessoas diferentes? São algumas perguntas que rondam a mente dos jovens sexualmente ativos.

 

Só que os adeptos do celibato tendem a dar de ombros para esse tipo de questionamento. Para eles, o estranho não seria, justamente, se precipitar?

 

Saia da casa dos seus pais, arrume um cônjuge e só aí a vida sexual pode começar, diz Nelson Junior, pastor e fundador do movimento cristão Eu Escolhi Esperar, citando Gênesis 2:24 – isso, claro, se deseja viver fora do pecado. Se seguir a palavra divina, Deus colocará a pessoa certa no seu caminho, e, depois de unidos na saúde e na doença, o sexo consumará uma aliança eterna. 

 

Para a influenciadora digital cristã Duda Leal, 24, que escolheu esperar, o casamento é um espelho do que foi a relação de Cristo com a Igreja – um amor tão forte que um seria capaz de dar a vida pelo outro. “Eu quero ter isso com um companheiro”.

 

E não é apenas a fé que leva à tardança, mas também a busca pela alma gêmea ou a falta de parceiros. Tive alguns rolinhos sérios, mas não confiei em ninguém”, diz Letícia, 20, ao relatar que gostaria de escolher “alguém especial” para o ato e que sua espera “não tem nada a ver com motivos religiosos”.

 

Malu e Danilo, ambos 23, que são casados e esperaram a união, citam a vontade de ter uma conexão amorosa antes da física como um dos principais motivos da decisão: “Um relacionamento não depende do toque”. Eles relatam que foram questionados várias vezes e já sentiram resistência em falar sobre com opositores: “Tem gente que joga uma bomba em cima disso, mas é um propósito”.

 

Impressões externas à parte, a decisão de esperar deve ser tomada com cautela, alerta a sexóloga Bruna Fernandes. Muitas vezes, escolher esperar envolve a busca por uma pessoa perfeita, o que pode gerar frustração. Afinal, todos têm defeitos.

 

Ela também diz ser muito comum receber em seu consultório pacientes que, mergulhados em comunidades conservadoras, passaram a acreditar que seus desejos sexuais – puramente biológicos – são errados, o que pode levar a disfunções na “Hora H”.

 

Mas isso não significa que o celibato leva sempre a problemas, ressalta. O risco é o jovem não estar consciente do funcionamento de seu corpo e confundir seus impulsos sexuais com algo ruim.  “Não existe virada da chavinha depois que a pessoa casa; isso é algo que ela vai levando para a vida.”

 

Colaboraram:

Bruna C. Fernandes, sexóloga e psicóloga

Darci Vieira da Silva Bonetto, doutora e membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Curso Básico disponibilizado pela organização Eu Escolhi Esperar, ministrado por Nelson Junior, pastor, e Angela Cristina, pastora

Maria Eduarda Leal, estudante e influenciadora

Letícia Anção, estudante

Malu Ponso, influenciadora

Danilo Cantieri, dreadmaker

Valentina W., estudante

Andressa F., estudante

Juliana R., estudante

Aos que me julgam arbitrário

 

Por Mariana Mallet

 

Eu, que me faço tão presente na vida de todos, sou acusado – injustamente – de passar por cima de sentimentos. Balela! Aliás, sempre me esforço para ser preciso. Ora, não é minha culpa se os outros têm diferentes percepções de mim. Eu não voo, não corro, mas também não espero, não paro: ando a passos certos e rítmicos.  

 

Encontro-me aqui de novo, numa daquelas situações que me acusam de não passar nunca. Ouço o barulho que o ponteiro faz através de uma máquina decrépita que chamam de relógio. Observo-lhes do alto de uma parede branca-amarelada, com sinais de infiltração. Ah, como a humanidade gosta de me culpar pelos próprios fantasmas. É tempo que não passa, tempo que voa, tempo demais, tempo de menos. Sempre tenho culpa no cartório!

 

 

Alguns olham constantemente para os pulsos – que mania eles têm de me medir – e aguardam por atendimento. Outros folheiam revistas que entulham a sala há uns dois anos e balançam uma das pernas freneticamente – a paciência é uma virtude.

 

 

No canto esquerdo, Érica segura o pequeno Cauã adormecido nos braços. Ainda consigo sentir seu desespero ao saber que seria mãe. Achava que era cedo demais. Mesmo assim foi firme, apesar de desejar que eu saltasse por esses nove meses. Se eu compartilhasse das reações humanas, diria que sorri ao ver a felicidade dela quando Cauã deu as caras ao mundo. Engraçado como a humanidade se contradiz: uma hora acha que andei devagar e, quando finalmente passo, diz que voei.

 

 

Observo Carlos, impaciente, preparando um copinho de café. Nesse caso assumo que fui cruel, mas não foi minha intenção. Foram oito anos esperando a chegada do Gabriel. Depois de muitas tentativas e algumas fertilizações in vitro, pude sentir sua frustração. Ora, não sou nenhum sádico, odeio os ver decepcionados. Contudo, digo que trouxe o Gabriel no tempo certo. Mas Carlos acredita que demorei uma eternidade, afinal, oito anos é uma vida! Ainda assim, me satisfaço só de lembrar da alegria com a chegada do tão esperado filho.

 

 

A Duda corre e pula no colo do pai, George. Que energia! Esse amor não precisou de mim para se firmar: foi à primeira vista. A espera por ela foi menor, mas George foi justo: diz que passei relativamente rápido. Oito meses na fila para a chegada da Duda foram esquecidos ao ver seus olhinhos vívidos nos braços de uma cuidadora. Já para ela, a espera foi de um ano e meio para seu grande encontro. Dizem que trabalho junto ao destino: estão corretos. Demorei um pouquinho para entregá-la para que não restassem dúvidas da gratidão e do amor que receberia.

 

 

Ah, a humanidade que ora me ama, ora me detesta. Caminho junto a eles desde sempre. E, às vezes, por estar tão presente, sinto-me quase humano. Alegria, medo, ansiedade, amor: me admira como os sentimentos oscilam tão rápido. Só de fazer parte de momentos como estes, até esqueço das injúrias que me fazem…

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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