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Não é só medo de agulha

 

Por Isabella Velleda

 

“Temos uma história de mais de 200 anos de informações que comprova a importância das vacinas. Conhece-se muito, até demais, a respeito delas.” É o que diz Guido Levi, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações. Embora essa noção aparente ser consensual, existem grupos que questionam a sua validade.

Rotulado de negacionista por médicos e cientistas, o movimento antivacina baseia-se na rejeição ao potencial benéfico das vacinas. Isma de Sousa, criadora da página “O lado obscuro das vacinas”, no Facebook, inclusive faz um jogo de palavras, invertendo o rótulo: “Como existem pessoas que vivem nesse ‘negacionismo’ de que vacinas são seguras, quando a realidade prova o contrário?”

As reações pós-vacinação são uma das principais preocupações do movimento. E, para Isma, é difícil enxergar além delas: “Não consigo ver nenhum benefício em estar provocando o organismo continuamente com vírus, metais pesados, formol.”

Para questões como essa, porém, a ciência tem respostas categóricas. Embora todos os componentes citados já tenham sido identificados em vacinas, eles sempre estiveram presentes em quantidades não nocivas ao corpo. Guido, contudo, afirma: “Nenhuma vacina é desprovida do risco de provocar reações adversas; essas, porém, são muito menores do que as das doenças contra as quais elas protegem.”

“E se eu acredito na eficácia das vacinas? Não.” Isma lista como fator conclusivo o que considera uma falta de transparência dos estudos científicos, citando uma pesquisa norte-americana da década de 1960 que não deixava à disposição os ensaios clínicos feitos. Embora hoje exista um amplo acesso a informações dessa natureza, estabeleceu-se uma desconfiança geral com a ciência por parte desse grupo.

Então, o movimento criou a sua própria rede de informação. Jorge Aramuni, administrador da página “VACINAS: o maior CRIME da história”, indica um livro que compila mais de 1200 estudos sobre o tema. Lá, aprende-se, por exemplo, como células de fetos abortados foram utilizadas para a produção da vacina contra rubéola. Enquanto essa parte não é mentira, a informação de que o DNA dessas células poderia se misturar com o DNA do paciente e causar autismo é.

Mas as vacinas nunca foram imunes de críticas. A vacina contra HPV, como um caso pontual, foi repreendida até por médicos especializados, por não ser totalmente eficaz contra a doença que pretende combater. Eno Filho, doutor em epidemiologia, inclusive cita o conflito de interesses nos estudos que fundaram seu lançamento: “Como o câncer cervical é objeto de outras ações preventivas, nada justifica trazer à comparação um produto caríssimo e mal-testado.”

Embora tenham erradicado doenças responsáveis pela morte de milhões, como a varíola, as vacinas ainda estão em constante desenvolvimento. “Agora, dizer que a gente usa a vacina sem estudar, sem tomar precauções, é uma calúnia”, diz Guido. “E depois que ela está disponível, tem todo um segmento para obter informações de possíveis eventos adversos e os seus significados.” As opiniões de médicos sobre o tema, porém, ainda não são suficientes para o movimento antivacina.

 

Rio, Brasília, paralisia

 

Por Mariana Goncalves

 

Um post recente num grupo do Facebook exibe o link para a manchete: “Criança tem paralisia após tomar vacina contra pólio em MG”. Quem mostra é a administradora do grupo, Iolanda Santos*, dedicada a “desmistificar” a vacinação nas redes sociais. “Você sabe o que realmente é a poliomielite?”, pergunta. “Será que as vacinas acabaram mesmo com as doenças?”. A provocação é em referência à erradicação da paralisia infantil no Brasil, que data de 1990, segundo o Ministério da Saúde.

 

Caracterizada pela flacidez muscular e paralisia motora, a poliomielite é uma doença que traz sequelas permanentes. Altamente transmissível, no passado fez epidemias no Brasil e no mundo. A reportagem trazida por Iolanda, sobre um caso de 2011, alertava para a suspeita de um bebê ter contraído paralisia pós-vacinal, evento que acontece a cada 2,3 milhões de doses, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Grupos antivacinistas, geralmente formados por chefes de família, têm justamente este medo: o de que os componentes das vacinas (agentes infecciosos ou substâncias químicas), ao invés de proteger, provoquem reações adversas ou a própria doença que tentam evitar.

 

Segundo a infectologista e integrante do comitê de imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Rosana Richtmann, graças à vacinação, o Brasil combateu doenças como a pólio e a varíola, e todos devem tomar as doses necessárias. “As pessoas se enganam se acham que vão proteger suas crianças se não as vacinarem”, diz a pediatra e imunologista Kelly Oliveira, do Espaço Médico Descomplicado. Durante a infância, a imunidade e o sistema de defesa ainda estão em formação, e apenas as vacinas podem preveni-las contra algumas doenças. “Por isso são tantas doses no início da vida.”

 

“A gente tem dados, sim, mostrando que algumas vacinas têm mais chance de causar evento adverso”, conta Richtmann. Mas as complicações são leves e temporárias, com sintomas como febre e dor no corpo. Já as histórias do Facebook – onde se mostram crianças com hemorragias ou membros amputados – não têm confirmação na literatura médica. No caso do “efeito” do autismo, frequentemente citado entre antivacinistas, a pediatra reforça: é mentira.

 

“Se está erradicada, por que precisamos vacinar contra a paralisia?”, questiona  uma mãe na internet. Richtmann diz que é preciso que toda a população esteja vacinada para que o vírus deixe de circular. “Tem gente que não se vacina e, para justificar, diz que antigamente não era assim”, completa Oliveira. “Mas o mundo de hoje é outro.”

 

A erradicação também pode não ser o fim da história. Segundo a OMS, apesar do êxito das políticas de prevenção nas Américas, a poliomielite ainda existe no Paquistão, Afeganistão e Nigéria. “Como temos voos entre os países, ainda existe o risco de reintrodução do vírus”, afirma Richtmann. Apesar de remota, a possibilidade é um alerta para os profissionais de saúde, dada a gravidade da doença. “Se a gente diminuir nossas coberturas vacinais, se deixar de fazer os reforços… O vírus não está erradicado no mundo.”

 

*Nome fictício.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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