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Entre cascas e gemas

 

Por Vinícius Bernardes

 

 

Consumir um ovo por dia previne infarto. Ovo prejudica o coração tanto quanto o cigarro.

 

Divergências dessa natureza são frequentes em manchetes divulgadas pela mídia.

 

Com construções das mais diversas, muitas notícias têm assumido perspectivas opostas ao transmitirem uma informação. Mesmo cientes dessas discordâncias, as pessoas ainda são fortemente influenciadas por essas construções. As mais exageradas banem o ovo do cardápio. Proíbem sua entrada geladeira.

 

Como se não bastasse, passam a difamá-lo, como um amigo removido das redes sociais. Com uma imagem distorcida, o pobre ovo é relegado a sarjeta, à espera de outra notícia que o recoloque em seu lugar de direito.

 

Não restritas ao fiel companheiro dos cafés da manhã, essas divergências permeiam outras informações. Para o professor Guilherme Sardas, da Universidade de Santo Amaro, a notícia carrega consigo uma aparente neutralidade. Apesar de conferirem uma aura de “verdade absoluta” ao conteúdo noticiado, essas se encontram envolvidas em interesses dos mais diversos.

 

Na era digital, o alcance dessas construções tem ultrapassado os limites impostos pelo espaço e pelo tempo. Bombardeadas por fatos e informações, as pessoas têm sido submetidas a dados frágeis e, em grande maioria, duvidosos.

 

Sardas destaca que essa situação deriva de uma rede em que “há muita informação aparentemente jornalística, mas de fonte amadora e inconsistente, o que gera conteúdos com apurações pouco criteriosas, quando não falsas”.

 

Entretanto, apesar do avanço das novas formas de mídia, imagens construídas pela televisão ainda predominam no processo de informação do brasileiro.

 

Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2016”, da Secretaria de Comunicação do governo, cerca de 63% da população diz depender dos telejornais diários para se informar.

 

O professor afirma que esse número é reflexo de um passado recente em que a mídia tradicional tinha o monopólio da informação. Seja em grandes notícias ou no simples ovo, todo fato está envolvido em construções. Ao leitor, resta driblá-las, caso queira enxergar as claras, existentes entre cascas e gemas.

 

A sua história me constrói

 

Por Carolina Marins

 

 

Um dia desses, estava andando distraído pelas ruas da Vila Madalena quando encontrei Rebeca, uma amiga de infância. Um abraço, um beijinho no rosto e o famoso “quanto tempo”. Para alongar o assunto ela perguntou: “E o Fabrício, por onde anda?”. Eu logo respondi: “Não terminou a faculdade, não arruma um emprego bom. Enfim, não se esforça o suficiente…”. De imediato ela me interrompeu. “Você está sendo injusto, Marcelo”.

 

Sentamo-nos num daqueles bancos de pracinha, de frente um para o outro. Fiquei confuso num primeiro momento. Por que injusto? Ela começou a explicar porque eu jamais poderia me comparar ao meu amigo que veio de uma classe mais baixa. “O mundo foi feito por e para pessoas como você, Marcelo”. “Mas isso não faz sentido”.

 

Mas… Mas… Mas… Eu tentava o tempo todo questionar.
Ela falou sobre como nossas realidades, a minha e a de Fabrício, eram diferentes. Eu, morador de um bairro nobre, com pais doutores. Ele, morador de uma comunidade, irmão mais velho de 5 filhos, de uma família em que só a mãe podia sustentar a casa. “Mas se ele se esforçasse um pouco mais…”. “Ele não tem essa opção”. Segundo Rebeca, eu havia sido criado sob a visão de um discurso meritocrático, em que todos teriam a mesma chance, bastava apenas se esforçar.

 

Se Fabrício deixasse tudo para se dedicar ao seu sonho profissional, como eu fiz, sua mãe e seus irmãos estariam em sérios problemas. Eu sabia que Rebeca estava certa, mas essa conversa estava me causando uma forte angústia, um soco no estômago. Eu estava sendo de fato injusto? Esse tempo todo?

 

Mas… Mas… Mas…
Nunca tinha pensado como que o fato do Fabrício ser negro, vir da periferia e ser de classe baixa minha condição de homem, branco, de classe média e heterossexual tornava o mundo um lugar menos hostil para mim tornava o mundo um lugar hostil para ele. Não era culpa minha, nem da Rebeca, muito menos do Fabrício. “…mas você pensar e agir assim só torna esse mundo ainda mais hostil”, ela falou.

 

Rebeca se despediu e foi embora com as minhas sólidas visões de mundo embaixo do braço. Não que elas estivessem erradas, só não eram “verdades absolutas”, ela disse. Eu fiquei. Com um milhão de dúvidas, sentimentos e pensamentos.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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