Por Filipe Narciso Luana Machado e Mariana Marques
 
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Solucionar grandes mistérios do planeta, corrigir erros do passado ou até visitar o futuro para conhecer novas tecnologias e desvendar as consequências de nossas ações são ideias muito atraentes para a humanidade.
Essas possibilidades de controlar o tempo, fugir do presente e se aventurar entre o passado e o futuro fazem parte do imaginário popular e da produção cultural ocidental há tempos. As produções de ficção científica exploram essa ideia, embora raramente apresentem conclusões sobre as viagens temporais. Contudo, instigam o público com hipóteses, brincando com o funcionamento do espaço e do tempo.
Mas quais as possibilidades dentro da ciência de a humanidade desvendar passado ou futuro com espaçonaves e máquinas do tempo? Em 1905, Albert Einstein publicou a Teoria da Relatividade Espacial, pela qual contrapôs os conceitos da física clássica de tempo e espaço estabelecidos por Isaac Newton no século XVII.
A teoria de Einstein revolucionou o mundo e é essencial para o entendimento de temporalidade no mundo contemporâneo. Além de ser o cerne de todas as viagens no tempo, ficcionais ou não. Isso porque, de acordo com as propostas da relatividade, o tempo é uma unidade que pode ser distorcida pela gravidade e pela velocidade. Nela, se um corpo ganha velocidade em relação a um observador parado, o tempo para este vai ser menor. E, caso esse corpo atinja a velocidade da luz, o tempo vai parar.
De acordo com Márcio Barreto, matemático pesquisador de cinema e ensino da física, as viagens temporais na ciência não passam de especulações. No entanto, as ficções têm um papel extraordinário ao explorar o mundo científico, mesmo que de forma vulgar, estimulando a imaginação e o próprio conhecimento.
O pesquisador lembra que muitas vezes as produções cinematográficas serviram não só como divulgação de uma ciência, mas também como uma previsão por meio da ficção do que se tornaria realidade. Esse é o caso do curta-metragem “Viagem à lua”, de Georges Méliès, lançado em 1902. Primeiro filme de efeitos especiais da história do cinema, Méliès previu em sua obra a viagem do homem à lua — décadas antes da primeira missão espacial.
Quanto à representação de viagens no tempo, Lucas Miranda, físico e criador do canal Ciência Nerd, afirma que diretores e roteiristas buscam trazer cada vez mais embasamento nas teses e hipóteses científicas, utilizando até consultores. Os filmes trazem soluções, precisas ou não, para vários paradoxos que a ciência não solucionou.
Para muito além da arte cinematográfica, a viagem no tempo já se fazia presente na literatura e outras formas de expressão artística há séculos. Seu conceito abstrato possui utilidade narrativa, além de fazer parte de uma cultura humana criada para temer a finitude, especialmente a da vida.
Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre
Gravações, fotografias, escritos e arquivos são todas maneiras de manter o passado vivo, porém imutável. A viagem no tempo surge como um entorpecimento, uma fantasia capaz tanto de conciliar o amargor dos arrependimentos do passado quanto de se apresentar como uma forma de evitar a morte. A submissão do homem ao tempo é tema recorrente não só nas artes como também na filosofia.
Ismail Fagundes, doutorando em filosofia pela Universidade de Caxias do Sul, afirma que a passagem do tempo é uma preocupação para a filosofia desde a Grécia Antiga. Na época, filósofos como Platão viam o tempo como uma experiência cíclica, assim como o são as estações do ano.
Na Idade Média, o filósofo Santo Agostinho foi pioneiro nas reflexões sobre o tempo, como explica Aline Canella. Para ele, o tempo é uma experiência linear, em que passado e futuro não existem como realidade concreta, e o presente se torna pretérito continuamente. Ou seja, o próprio do tempo não é o ser, e sim o não ser.
A percepção temporal seria uma experiência psicológica, inerente ao ser humano, uma vez que o passado só é percebido enquanto memória e o futuro não passa de mera fabulação de nossas mentes. Apesar de o passado e o futuro serem impossíveis de serem vividos, a cognição humana compreende uma noção de passado, traduzida pela memória, e uma perspectiva de futuro, pela qual é apreendida pela experiência sensível.
Se o Sol nasce todas as manhãs e, assim, o tem sido desde que o primeiro ser marinho se desenvolveu para pisar em terra firme, amanhã isso deverá acontecer novamente. Mas a possibilidade do ‘e se’ traduzido pelas fabulações e apropriações das hipóteses da ciência, tal qual a fabulosa viagem de Mèliés à Lua ou mesmo a excursão de Cooper pelas quatro dimensões, são representações de como a temporalidade é uma experiência humana, comunitária e fabulatória.
O tempo histórico modifica o conhecimento científico em grande escala: importantes consensos científicos do passado são hoje manchas para a ciência e a humanidade. Assim, o presente é sempre marcado pelas possibilidades do futuro — e a viagem no tempo é uma delas.
Colaboraram:
Aline Canella, mestranda em filosofia com estudos ligados à identidade humana e a passagem do tempo pela Universidade de Caxias do Sul.
Ismail Fagundes, doutorando em filosofia com estudos ligados à ética pela Universidade de Caxias do Sul.
Lucas Miranda, físico e criador do canal Ciência Nerd.
Márcio Barreto, pesquisador do ensino da física e a relação com o cinema.
Como a ciência sobrevive a fake news no Brasil?
 
Por César Costa e Tiago Medeiros
 
Fake news e movimentos negacionistas afetam a produção científica no Brasil. Passando por falhas na divulgação de informações e por escassez de recursos financeiros, o Claro! buscou entender como esses aspectos afetam a ciência em nosso país neste podcast.
A metamorfose de conceitos
 
Por Pedro Gabriel
 
Desde sempre, o ser humano é influenciador e influenciado. A todo instante exerce ambos os papéis constantemente, com a consciência disso ou não. Decerto, sempre passamos por esse processo, às vezes de forma muito sutil como por exemplo quando somos influenciados por um livro ou texto. Mas também somos influenciados e participamos na influência de outras pessoas, mesmo que indiretamente, explica Rafael Araújo, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.
Mas afinal, o que é, para a ciência, a influência? De acordo com Beatriz Bambrilla, professora de Psicologia Social da PUC-SP, não há um consenso certo sobre o fenômeno: “é um conceito que ao longo da história também foi se atualizando”. Ela ainda acrescenta, dizendo que durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, a psicologia social era baseada em experimentos e discutiu sobre o fenômeno. Antes disso os primeiros trabalhos da filosofia, sobre retórica e da eloquência do discurso persuasivo, já tinham em sua discussão, como plano de fundo, a ideia da influência social.
Na década de 1960, a Escola de Chicago produziu, no contexto dos experimentos da psicologia social, a perspectiva do interacionismo simbólico que poderia então afetar o que hoje chamamos de influência social. Rafael Araújo diz que essa vertente se baseia na ideia de que os indivíduos interagem entre si e com o habitat, que pode ser uma espacialidade, uma cidade, uma cultura, o ambiente, um conjunto de elementos que compõem esse ambiente. “As pessoas interagem e estabelecem relações para potencializar a sua sobrevivência”, complementa.
Anos antes, Freud e Le Bon, no livro chamado A Psicologia de Massas e a Análise do Eu (1921), descrevem as massas a partir de lideranças que estabelecem vínculos de identidade com os membros do grupo. De acordo com Rafael, seguindo essa tese, esse líder poderia ser tanto uma pessoa viva ou morta, quanto uma ideia, um conceito, uma ideologia ou até mesmo uma religião. Neste caso, a influência social se dá exclusivamente por meio do contato com a liderança, que estabelecem vínculos de identidade com os membros do grupo.
De toda maneira, Bambrilla ressalta que o contexto em que essas vertentes foram pensadas era muito diferente do atual. Para ela, após os anos 90 passamos a discutir ideologia, pensando disputa (efetivamente disputa de projeto) e como isso se dá na relação indivíduo-sociedade e, inclusive, na relação intergrupal. “Agora o momento exige que a gente pense essa questão da influência social, que não é a mesma que estávamos pensando na década de 60, mas é uma influência das redes sociais, uma influência que é simbólica”.
Superior? Em quê?
 
Por Juliana Brocanelli
 
Correr, nadar, ouvir, sentir. Os seres humanos são capazes de todas essas habilidades, mas certamente não são os melhores em nenhuma delas. Para início de conversa, podemos falar da inacreditável velocidade do peixe-espada, que chega a 110 km/h no fundo do mar. Apesar disso, estamos no suposto topo da cadeia alimentar — diz a teoria darwinista que “as espécies que sobrevivem não são as espécies mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças”.
A adaptação humana ao ambiente é, de fato, satisfatória — ainda que não dominemos todas as capacidades físicas, criamos meios de transpor as barreiras dos nossos corpos. O desafio seguinte passou a ser compreender aquilo que a maior parte dos cientistas aponta como a causa de nossa humanidade e “superioridade” frente às demais espécies: a complexa formação da mente e nossos sentimentos.
De tempos em tempos, a humanidade é apresentada a uma nova descoberta que a aproxima ainda mais da formação orgânica da Natureza. No livro Beyond Words: What Animals Think and Feel, de 2015, por exemplo, Carl Safina, da Universidade de Stony Brook, sugeriu que os animais podem ter sentimentos mais complexos que os humanos. Isso porque, segundo ele, espécies diversas têm contato com diferentes estímulos e ambientes. No documentário Blackfish: Fúria Animal, soubemos que as baleias orcas possuem uma parte do cérebro responsável pelo processamento de emoções que nós não possuímos.
Pesquisas recentes — como a de Tiago Bortolini e Maria Emília Yamamoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicada em 2013 — levantam a hipótese da religião como um comportamento adaptativo que favorece a vida em grupo. Sem a noção de rituais místicos, no entanto, feito semelhante pode ser observado em comunidades de lobos (que possuem uma rígida hierarquia) com efeitos próximos: manutenção e proteção da espécie.
Outro dos pilares teóricos da “essência humana” tem caído por terra: a cultura. Os golfinhos, soubemos recentemente, não só desenvolveram tradições culturais — técnicas de caça ensinadas exclusivamente pelas mães às filhas —, como as perpetuam através das gerações.
Dia após dia, a concepção de humanidade se aproxima da magnificente organização da Natureza e nos faz repensar o que de fato nos difere dos demais animais. Afinal, sentir, se comunicar, criar tradições: nem só os seres humanos são dotados dessas refinadas capacidades cognitivas. Que não seja a crueldade e frieza a cisão definitiva entre as espécies.
Furta-cor (ou a inesperada virtude da iridescência)
 
Por Guilherme Eler
 
Sim, é aquele arco-íris que a gente vê em bolhas de sabão ou manchas de óleo.
A iridescência, popularmente conhecida como furta-cor, é um fenômeno óptico possibilitado por outras duas ocorrências físicas: o espalhamento e a interferência dos raios de luz.
Enxergamos a luz do Sol na cor branca porque ela é composta por ondas de todas as cores de nosso espectro visível. Tais ondas variam entre si no comprimento e frequência, e, portanto, se comportam de forma diferenciada. Isso explica o fato de a radiação solar ser mais propícia a sofrer mudanças de trajetória.
Quando atingem a camada superior de uma película fina, como as paredes de uma bolha de sabão, alguns raios de luz sofrem refração. Ao voltarem para o meio exterior, podem associar-se a raios que refletiram na superfície da bolha. Essa combinação de ondas produz uma cor. Acontece aqui um tipo de interferência, chamada de construtiva.
Como a superfície da bolha é irregular e o ângulo de reflexão dos raios é variável, várias cores são produzidas. Tem-se então o efeito de arco-íris, que muda de acordo com a posição de quem observa. É isso que chamamos de furta-cor.
As cores possuem papel muito importante na comunicação de animais. A maioria delas tem origem pigmentária, explicada pela composição química das penas, escamas, etc. Mas as propriedades físicas também são capazes de influenciar como os bichos são vistos na natureza, seja por predadores ou por potenciais parceiros. O que pode ser considerado uma verdadeira vantagem evolutiva.
É o que acontece com certos insetos e determinadas espécies de aves, como o pavão (Pavo cristatus), o beija-flor de peito azul (Amazilia lactea) e o tiziu (Volatinia jacarina).
As cores estruturais são produzidas a partir da interação da luz com estruturas muito pequenas que compõem as penas desses animais. Elas possuem diferentes índices de refração e são responsáveis por reforçar a reflexão de determinados comprimentos de onda. A aparência das plumagens, com isso, apresenta coloração naturalmente iridescente.
Uma pesquisa estudou o comportamento nupcial de tizius, muito comuns no Brasil e América Latina, e pôde concluir que as características de coloração da plumagem desses pássaros estão associadas à qualidade individual dos machos. Em estação reprodutiva, estes costumam apresentar plumagem negro-azulada iridescente.
Os pássaros que possuem cores mais brilhantes, intensas e próximas da frequência ultra-violeta, tendem a levar vantagem na competição entre os machos da espécie. Os processos envolvidos no acasalamento, desde a corte até o momento da cópula, também são facilitados. Se sobreviverem à época de reprodução, estão livres para passar a seus descendentes a habilidade de emular um arco-íris a partir da luz do sol. Roupagem acessível a poucos.
As borboletas morpho azuis , em repouso, apresentam uma cor marrom meio pálida. Essa coloração é uma grande vantagem no quesito camuflagem, por possibilitar que elas passem discretas entre folhas secas e galhos. A parte interior de suas asas, no entanto, possui escamas capazes de alterar o tom para um azul brilhante, também por meio da iridescência. Ao bater as asas durante o voo, as mudanças rápidas de cor contribuem para que as morpho azuis sejam uma presa difícil de ser perseguida. Isso leva seus predadores naturais a preferir concentrar seus esforços em outros insetos.
COSMONÁUTICA
 
Por João Cezar Diaz
 
OPS-4, Camarada Guryev, na escuta?
Minha cabeça não consegue se situar sobre o meu pescoço, não consegui remover a maior parte dos estilhaços no meu ombro. Pelo menos o sangue secou, assim não preciso vê-lo flutuando pela cabine. Tive de afastar as portas do armário de remédios para chegar ao display. Todos os frascos de analgésicos ainda estavam flutuando atrás do que restou das buchas e parafusos que costumavam segurar o armário ao seu devido lugar no casco. Todos vazios. Não sobrou nada pra me fazer dormir.
Soyuz-57, estou aqui. Camarada Kasyanov, é você?
Tenho que diminuir as luzes, não consigo enxergar a tela. Manchas roxas da iluminação lateral estampadas no fundo da minha retina. As infinitas luzes piscantes me acordam em um compasso de exatos 3,5 segundos. Sinto que, às vezes, elas saem de ritmo.
Negativo. OPS-4, Kasyanov está cuidando de reparos, quem fala é o engenheiro de vôo Tamarkin. O que posso fazer por você, OPS-4?
Está quente demais, Soyuz-57.
Mais quinze dias e eu desceria daqui; seria o fim da minha missão, traria os dados que ninguém mais possui. Teria meu nome em alguma coisa, talvez um terminal ferroviário… Preciso checar uma coisa.Tensiono meus pés contra as paredes de plástico para me lançar pra fora da cabine. Eles escorregam com um som que me reaviva os sentidos. Todo o lado esquerdo do meu corpo tem seus tendões fisgados para fora. Tudo aqui escorrega, todas as superfícies estão encharcadas com meu suor. Entrego-me ali, deixo meus músculos distenderem como quiserem; desmaio envolvido naquele mesmo ar viciado que já respirei por 47 dias.
OPS-4, como é a situação? OPS-4, aqui é Tarmarkin, na escuta, camarada?
Algumas luzes pararam de piscar, mas a lembrança do seu ritmo implacável ainda martela atrás dos meus olhos. Volto-me, sem querer, à pequena janelinha da estação. Lá fora, está a razão por eu estar aqui. “O oceano derradeiro”, como nos diziam na academia. Um destino para os novos desbravadores. O implacável desconhecido que paira sobre nossas cabeças. Uma maçante cortina preta sem propósito, penso, afinal.
OP… ki….
Ainda preciso checar uma coisa. Deixo-me levar até o compartimento do meu engenheiro. Alguns cabos se soltaram, preciso saber se aqueles que puxei para garantir que seu cadáver não flutuasse a qualquer vontade ainda estão firmes. Isso não importa, na realidade. Vou me juntar a ele em poucas horas. Talvez ainda tenha um pouco daquela geleia desidratada por aqui.
OPS-4, aqui é Soyuz-57. Não foi permitida a acoplagem, OPS-4.
Homem soviético, tenha orgulho, você abriu a estrada da Terra para as estrelas!
O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.