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Confira a edição online do claro! vida

 

Por clarousp

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

Acesse a edição online completa do claro! vida aqui.

 

Procura-se sentido | Editorial

 

Por Pedro Henrique Sousa e Vinicius Garcia

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

Você já deve estar cansado de ouvir a pergunta: “Qual o sentido da vida?”. Exaustivas repetições em filmes, séries, podcasts ou mesmo em conversas no bar com amigos podem passar até um ar de banalidade a uma questão tão complexa. Mas permita que façamos essa pergunta mais uma vez.

 

 A edição claro! Vida pretende trazer essa interrogação tão batida e respondê-la com as diferentes possíveis respostas. Afinal, para alguns um filho é o que dá sentido para sua vida, enquanto que outros veem com aversão a possibilidade de ter um descendente. 

 

Outros vão responder que essa aventura que passamos ganha sentido com uma grande paixão. Daquelas arrebatadoras, que afugentam qualquer razão, e reverenciam as maiores loucuras. Então viver seria sobre sentir demais e pensar de menos?

 

Há quem diga que a beleza da vida está em não ter segundas chances. Acertando ou errando, você só tem uma oportunidade. Mas há quem só genuinamente se motive pela finitude. O que há no fim? O que há depois? Há quem veja grandes glórias ao se preparar para esse momento.

 

E no fim, perguntar qual o sentido da vida torna-se a coisa mais sem sentido. O sentido da vida é aquele que faz mais sentido a você. Mas, se você gosta de frases feitas e metáforas concretas, esperamos que a sua vida seja, para você, como essa edição claro! vida foi para nós. Que comece com ideias, sonhos, como nós pensamos em pautas. Passe por perrengues, lute, se expresse, como fizeram os inúmeros repórteres nesta edição. E que, no fim, você possa sentar, como nós, e escrever um belo editorial, do qual você se orgulhe. Para a gente fez sentido.

 

Expediente – Reitor: Vahan Agopyan. Diretor da ECA-USP: Eduardo Henrique Soares Monteiro. Chefe de departamento: Luciano Victor Barros Maluly. Professora Responsável: Eun Yung Park. Editores de Conteúdo: Pedro Henrique Costa e Vinicius Garcia. Editores online: Letícia Cangane e Pedro Lobo. Editoras de Arte: Gabriella Sales e Mariana Catacci. Repórteres: Beatriz Azevedo, Camila Paim, Danilo Moliterno, Gabriela Caputo, Guilherme Bolzan, Isabel Teles, José Higídio, Júlia Carvalho, Karina Tarasiuk, Letícia Flávia, Marina Reis, Rafael Sampaio, Renata Souza e Vanessa Evelyn. Capa: Gabriella Sales e Mariana Catacci. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 – Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP: 05558-900. Telefone: (11) 3091-4211

 

A jornada solitária das brasileiras que abortam

 

Por Marina Reis e Renata Souza

 
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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

O início da vida humana é estudado pela ciência há séculos. Sem respostas concretas, quando se fala em aborto, a discussão é centrada no que sente — ou não — o embrião. Mas o conceito atual de embrião é recente, de meados do século 19. Há algumas décadas, saber se o bebê era saudável, por exemplo, dependia do nascimento. Hoje, até os traços físicos são vistos no pré-natal.

 

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O acompanhamento da gestação mudou por causa do avanço da tecnologia

 

Mesmo com a tecnologia, o nascimento ainda é um marco do início da experiência que é estar vivo. E, para nascer, é preciso alguém ter condições e vontade de gestar. A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), de 2016, revela que uma entre cinco mulheres aos 40 anos já fez pelo menos um aborto. Enquanto algo em torno de 10% das gestações evoluem para o aborto espontâneo, segundo o Ministério da Saúde.

 

 

O número expressivo de abortos está ligado a uma série de fatores. A decisão de tornar-se mãe, que para muitas mulheres é um sonho, um novo rumo que adiciona sentido à vida, depende de ter condições propícias.

 

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Cena do filme Juno (2007), em que a personagem descobre uma gravidez indesejada

 

Pela lei brasileira, o aborto pode acontecer em três casos: gravidez anencefálica; fruto de violência sexual ou que ofereça risco à vida da mulher. A criminalização não impede, porém, que abortos inseguros aconteçam todos os dias.

 

 

Escolher abortar no Brasil dói. Abortar sem escolha também dói. Mas o aborto espontâneo acontece mais do que ouvimos. Tantas vezes o sangramento ocorre antes que a mulher saiba que estava grávida. As junções cromossômicas, essenciais para a nossa existência, dão errado. Ou o embrião não se fixa corretamente. É a natureza.

 

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Pelo menos 10% das gestações no Brasil evoluem para o abortamento espontâneo

 

Apesar de o aborto ser mais comum na fase inicial da gravidez, para a mulher que escolhe gerar e se prepara para receber um filho, um vínculo é quebrado. Segundo o DataSUS (2019), a cada 100 internações por aborto, 99 são espontâneos e indeterminados e uma é caso de aborto legal.

 

 

O Ministério da Saúde aponta 89 instituições autorizadas a realizar o procedimento, mas um estudo da ONG pelos direitos humanos Artigo 19, que defende o acesso à informação em todo o mundo, diz que apenas 42 de fato o fazem. 

 

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Os medicamentos são usados como método abortivo legal e clandestinamente.

 

Com as restrições para o aborto legal, abre-se um mercado clandestino. Apesar de sua eficácia ter sido descoberta por brasileiras, um dos medicamentos abortivos mais populares do mundo é ilegal no país. Por aqui, os procedimentos clandestinos prevalecem, embora sejam arriscados, causando a morte de uma mulher a cada dois dias.

 

 

A decisão pelo aborto pode estar ligada a diversos fatores: pouca idade, falta de estrutura financeira e familiar, falta de apoio do parceiro e outros. Para muitas mulheres, ter um filho pode significar um desvio do caminho que elas se vêem traçando. Para todas que abortam, entretanto, há uma avalanche de sentimentos. Alívio, culpa, vergonha, medo, tristeza, vontade de recomeçar. Cada processo é diferente, mas algo que permeia todos esses caminhos é a sensação de julgamento sob o olhar público.

 

Histórias que inspiraram essa reportagem

Karina Cirqueira é estudante de fonoaudiologia e não tem filhos

Raquel Kaveski é bancária e mãe de uma filha

Maria Silva* é dona de casa e mãe de dois filhos

*Nome fictício

Colaboraram

Bruna Falleiros, psicóloga e ex-colaboradora do projeto “Milhas pela Vida das Mulheres”

Helena Paro, obstetra e líder da equipe de aborto legal para mulheres vítimas de violência sexual do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia

Mariana Ribeiro, embriologista clínica especializada em fertilização in vitro

Maiara Benedito, psicóloga atuante no apoio de gestantes e puérperas com ênfase às questões raciais

Roseli Nomura, advogada, obstetra e professora da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP

 

Além da razão

 

Por Isabel Teles

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

Dores de estômago, confusão mental, insônia e palpitações. Os sintomas, que podem levar alguém ao hospital, às vezes, podem indicar algo positivo: a paixão. Não por acaso, o sentimento compartilha o radical pathos com a palavra patologia, explica a psicanalista Marli Piva Monteiro, que pesquisa o tema há dez anos.

 

Além das manifestações físicas, a paixão desperta emoções complexas. “Eu me senti como uma criança redescobrindo o mundo”, afirma o gestor de públicas Bruno Martinelli, 30, sobre seu primeiro passeio de bicicleta depois de dois meses afastado por uma lesão. 

 

Morador da capital paulista, que tem 680 km de ciclovias, construídas sobretudo a partir de 2013, ele considera que seu propósito de vida é pedalar. No trânsito, já se envolveu em acidentes, enfrentamentos policiais e situações de risco, mas não pensa em abandonar a atividade “a vida fica mais bonita com a bicicleta”, diz. 

 

Na cultura popular, Alceu Valença descreve o sentimento como o que  “vem do mais profundo / onde não cabe a razão”. Monteiro confirma a informação “a paixão envolve o indivíduo com uma tal força que às vezes parece se aproximar dos limites da razão.” A necessidade de paixão na vida está relacionada ao desejo e à falta, esclarece a psicanalista. O objeto do desejo é eterno e está sempre além do imediato, fazendo com que sua procura seja permanente. 

 

Em busca de paixão ou “apaixonada por se apaixonar” é como se define a administradora pública Maria Clara Nogueira, 25. Ela, que já fez “loucuras”, como pegar a estrada em uma noite chuvosa para reencontrar um amor e viajar 850 km para conhecer outro, diz gostar do frio na barriga. 

 

Cada apaixonado faz suas próprias loucuras. A publicitária Giovanna Callegari, 22, não sai de casa sem levar alimento, que oferece a animais de rua. “Quando eu vejo um cão, paro o carro em qualquer lugar para dar comida. Depois penso ‘o que eu estou fazendo?’, mas sei que isso pode dar mais um dia de vida a ele”, avalia. 

 

Segundo a OMS, cerca de 30 milhões de animais vivem nas ruas do Brasil. Ciente de que não pode salvar todos, Giovanna busca alternativas. Desde 2019, ela resgatou 160 bichos e fundou um projeto com mais de 35 mil seguidores no Instagram, o @adotarpatinhas. “Minha vida mudou completamente, sinto que precisam de mim”, conclui.

 

Colaboraram:

Bruno Martinelli (30)
Giovanna Callegari (22)
Maria Clara Nogueira (25)
Marli Piva Monteiro, psicanalista

Fontes: 

Ciclovias em SP

Animais de rua no Brasil

“Paixão”, de Alceu Valença 

 

Germinar

 

Por Vanessa Evelyn

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

Um jovem, recém entrado no ensino médio, via sua imagem refletida no espelho, mas não se envergava naquele corpo. Não entendia quem era e porque passava por tudo isso. Assim foi a adolescência de Pedro Pinheiro, até que, aos 18 anos, teve contato com a questão da identidade de gênero e descobriu o T da sigla LGBT.  Homem trans, Pedro sabe que se reconhecer como tal é parte essencial de sua identidade, que para ele é aquilo pelo qual é lembrado e apresentado. Aquilo que o define como único.

 

Para completar essa definição de identidade, a cientista social, Karen Florindo, explica que podemos entendê-la como características sociais e culturais que são atribuídas a nós. Ela está diretamente ligada ao ambiente ao qual pertencemos e ao lugar que ocupamos na sociedade:  “[diz respeito] sobre outros indivíduos com quem me relaciono, sobre o espaço, a cultura, a história…”.

 

Mas como encontrar a sua identidade quando o ambiente ao seu redor não te representa? Larissa Barbosa viveu isso durante a infância. Estudando com bolsa de estudos em escolas particulares, nunca se sentiu parte do universo das crianças brancas que a rodeavam. Foi no ensino médio, quando passou a fazer parte de um coletivo negro, que entendeu o motivo de não se sentir parte daquele ambiente. Só a partir disso que Larissa percebeu que ser negra era um fator definitivo para a formação da sua identidade. Para além de defini-la, encontrar parte de sua identidade foi essencial para que se sentisse pertencente a um grupo.

 

Essa busca por pertencimento é natural para Karen Florindo, e está ligada ao fato de sermos seres sociais. “A gente está constantemente  buscando espaços de acolhimento onde a gente possa, de fato, ser.”. Esse processo não aconteceu apenas com Larissa. Pedro iniciou sua transição hormonal enquanto fazia faculdade longe da família e durante alguns meses escondeu esse processo de seu núcleo familiar. Ele viu nos amigos LGBT o suporte que precisava e se apoiou nisso. “Você tem certeza que não é o único… Você tem sempre alguém que te entende para estar com você, para te ouvir, para te aconselhar.”

 

Para Larissa e Pedro, a construção e a aceitação de suas identidades foram processos ligados a outras pessoas e vivências. Foi necessário ter ajuda do exterior para compreender o interior.  Karen resume bem esse processo: “todas as trocas sociais deixam ‘marcas’ em nós e incorporamos – consciente e inconscientemente – algumas delas, as descrevendo como identidade. O meio é a estrutura fundamental nessa construção.”.

 

Colaboraram:

Larissa Barbosa — Estudante e parte do coletivo negro Opá Negra

Pedro Pinheiro — Gestor de Eventos

Karen Florindo — Cientista Social e curadora do blog “Lute como uma gorda”

 

Um presente para o futuro

 

Por Karina Tarasiuk

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

No seu aniversário de 38 anos, Ana tem uma crise existencial. É a idade que o seu pai tinha quando faleceu, 24 anos atrás. “E se acontecer o mesmo comigo? Sinto que não tenho nada para deixar. Eu serei esquecida? Não tenho filhos – nem desejo. Será que mesmo assim vou deixar algum legado quando não estiver mais aqui?”

 

“Ser pai foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo”, ela lembra seu pai dizer, meses antes de sua morte. E, de fato, ser mãe ou pai é para muitas pessoas uma realização. Um enorme desafio, que exige responsabilidade, mas uma grande conquista.

 

Ela pensa em Cristina, sua amiga que, alguns anos após ser mãe, decidiu abandonar sua tão adorada carreira de professora de história do fundamental para virar advogada. “Eu amo a minha profissão. Mas ela não me dá retorno. Eu não sou valorizada. Não tenho segurança de que vou conseguir dar para a minha filha a liberdade de escolher ser quem ela quiser”, foi o que disse ao parar de dar aulas e iniciar a faculdade de direito. Para sua amiga, proporcionar uma boa qualidade de vida à filha seria seu maior legado.

 

“Mas eu vou deixar bens materiais para quem?”, pensa. Porém desconfia de que o legado vai além disso.

 

Natália, outra amiga sua, também não tem filhos. Seu legado se dá através do seu ativismo. Negra, lésbica e periférica, tem doutorado em psicologia pela melhor universidade do país. Abandonou a vida acadêmica para criar uma clínica popular voltada às populações marginalizadas. Consegue ajudar, e também inspirar, muita gente. Não foi apenas a primeira pessoa com diploma na família, mas também criou projetos para que pessoas com a mesma origem que a sua tenham as mesmas oportunidades de estudo.

 

“Também não é o meu caso. Estou longe de fazer um trabalho tão relevante para a sociedade”, Ana diz a si mesma, frustrada.

 

“Será que o simples fato de eu existir não é, por si só, um legado?”, indaga. O legado é um processo que está sempre em construção. Ele já existe no presente. Construir um legado é superar seus limites – para si mesma e para qualquer outra pessoa no futuro. Deixar um legado é manter uma parte sua viva, mesmo quando você não estiver mais aqui. É presentear o futuro com uma parte de si mesma.

 

Ela olha para a estante, que contém muitos dos livros preferidos do seu pai. Lembra-se de quando ele contava histórias para ela antes de dormir. E de quando ela mesma começou a ler os livros e conversar sobre eles com o pai. “Com certeza essa é a maior parte dele que está em mim. Esse amor pelas palavras.”

 

E relembra do seu antigo sonho de infância de ser uma escritora. uma escritora de ficção científica, o gênero preferido dela e do seu pai. Quando foi que ela abandonou esse sonho? Nunca se sentiu capaz. As pessoas ao seu redor nunca acreditaram nela. Ela mesma não acreditava. Todas as antigas histórias já imaginadas passam-se na sua cabeça. Talvez seja o momento de transformá-las em palavras.

 

Senta-se à escrivaninha para realizar seu maior sonho. Abre o notebook. Olha para o documento em branco e, sorrindo, digita: “Em 2387, os seres humanos…”

 

Colaboraram:

Gabriel Campos (31)

Geovana Pelegrin (22)

Gláucio Knapp (34)

Larissa Alexandre (25)

Larissa Ruiz (39)

Fontes:

A influência do legado familiar na história pessoal: um estudo sobre o processo de individuação”, de Rosilene Santos da Silva e Ieda Tinoco Boechat 

 

Minha flor do gravatá

 

Por Rafael Sampaio

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

O velho Renato só contava piadas sujas. Parecia não levar nada a sério.

 

– Faz uma pergunta séria ?

 

– Qual o sentido da vida ? – perguntei por perguntar.

 

Pensou…

 

– Liga pro Chico.

 

Liguei.

 

“A vida é sobreviver.” Com a morte do pai, Chico precisou ajudar os oito irmãos. Em 1970, com 22 anos, saiu de Teresina e foi até Altamira no Pará “abrir a rodovia Transamazônica”. De lá, foi vender relógios no Maranhão, viu um colega ser carbonizado enquanto ambos reparavam uma rede de alta tensão, perdeu um dedo em uma fábrica paulista. Aos 73 anos, ainda sobrevive, limpando banheiros públicos. Valeu a pena ? “Se eu não desisti… mas cê devia falar com a Mazé.”

 

Falei.

 

“A vida pra mim é o cheiro da flor do gravatá”. Explica, Mazé. “Vim da Bahia, conquistei muito em São Paulo, só me falta o gravatá.” Há 50 anos, Mazé saiu de casa “em busca de uma vida melhor”. Insisti no gravatá. “Perto do rio que lavava roupa com minha mãe, no quintal que brincava com meus irmãos, enfeitando a praça nas festas; a flor do gravatá sempre tava lá.” 

 

Queria saber o cheiro da flor do gravatá… 

 

Conhece, Lenira ? “No Recife não tem dessa flor.” Dona de uma floricultura, Lenira tem 70 anos. Casou mocinha, vivia para os quatro filhos e o marido. Então, ficou viúva. “Era feliz e acabou.” Acabou ? “Comecei outra vida, abri a floricultura.” Igual a 40,5% dos lares brasileiros, Lenira virou a chefe da casa. Nada é permanente ? “Minha amiga Cândida diz isso, liga pra ela”

 

Liguei.

 

Aos 20 anos, em 1971, Cândida já lecionava no ensino fundamental. Teve milhares de alunos, “precisei entender que nada é pra sempre”. Sobre voltar no tempo. “Pra quê ? Besteira… pra ver tudo acabar de novo.” Sobre a velhice ? “Tem que aceitar, ficando bem velhinha, com minhas próprias pernas, vou pra um asilo.”

– Descobriu o sentido da vida ? – perguntou o velho Renato ao me encontrar.

 

– Nem devia ter procurado…

 

– Olha… entrei na GM em 1978. Sabe aonde todos os negros feito eu ficavam? Na fundição. O pior lugar. Trabalho pesado, calor infernal. Sabe porque isso ? Porque negro foi feito pra fazer serviço pesado. Conheci três chefes negros em 35 anos de empresa. Ainda hoje, no Brasil, os negros mal ocupam 30% dos cargos gerenciais. Indignado, virei sindicalista. Lutei por mudanças. Claro que perdi também, nunca fui promovido. Mas isso fez e faz sentido pra mim.

 

Acho que Renato encontrou a flor do gravatá dele… só espero não pisar na minha quando ela aparecer.

 

Colaboraram: 

Cândida Campos (70)

Francisco Costa (73)

Lenira Gonçalves (72)

Maria José “Mazé” Jesus (70)

Renato Bento Luiz (74)

Fontes:

Retratos das desigualdades de gênero e raça, IPEA, 2015

Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, IBGE, 2019

 

No limite, e além

 

Por Danilo Moliterno e Guilherme Bolzan

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

Até onde vai a vida?”. Quando uma pessoa tem uma doença terminal e se aproxima desse limite, tal dilema vem à tona. O debate é acompanhado de outras questões complexas, como o direito à morte digna, a diminuição do sofrimento e até procedimentos de eutanásia — atualmente ilegais no Brasil.

 

Por definição, a eutanásia é uma intervenção médica que causa a morte de um paciente, a fim de evitar que ele viva maiores sofrimentos. De acordo com a interpretação jurídica brasileira, procedimentos como esses “podem ser enquadrados como homicídio, omissão de socorro e auxílio ao suicídio”. Todos crimes passíveis de pena, explica Otávio Morato, autor do artigo “Status legal da eutanásia e ortotanásia no Brasil” e pós-graduado em Direito-Civil pela PUC-MG.

 

No entanto, o enfermeiro e doutor em bioética pela UFRJ Oswaldo da Motta explica que há diferenças entre causar morte e “deixar morrer” em decorrência da doença. A segunda conduta, chamada de ortanásia, não é ilegal e geralmente vem acompanhada de cuidados paliativos — procedimentos que buscam melhorar a qualidade de vida dos pacientes, ainda que sem prolongá-la. A atual resolução do Conselho Federal de Medicina atribui tal decisão ao paciente e, quando este não pode tomá-la, a um familiar ou a um “testamento vital” — documento redigido previamente que descreve os seus desejos.

 

“Muitas vezes o paciente precisa de alguém junto dele, não só de intervenção médica”, explica o psicólogo Adriano Facioli, que acompanhou pacientes com doença avançada por 6 anos. Conforme o tratamento médico deixa de dar resultado, o trato psicológico e o acompanhamento de familiares vão se tornando mais importantes.

 

Realizar este trabalho de acompanhamento também possui muitas angústias. Odete Novembrini, que já teve de acompanhar 4 familiares com câncer avançado, relata que a rotina é muito desgastante. “De noite, sempre vem uma enfermeira para aplicar um remédio para dormir, para relaxar o paciente. Mas os que acompanham não tem nada disso; eles têm de ficar ali sofrendo… e também acabam ficando doentes… a família adoece”, afirma ela. Ouça mais:

 

 

Lidar com despedidas não é mais fácil para a equipe médica, aponta a professora Maria Kovács. Mesmo quando parte da rotina, a ideia de “se acostumar” é um mito. “Normalmente, o profissional da saúde não está preparado para lidar com o fim de vida, pois ele aprende apenas a manter a vida”, afirma Oswaldo da Motta. Sem essa preparação, a equipe médica sente maior dificuldade em empatizar e lidar internamente com o sofrimento.

 

As conversas de Daniely e seu pai, apesar de não abordar a morte, serviam como despedida: “Na última noite, ele teve um momento de lucidez, e nós conversamos bastante.  Falamos sobre a faculdade, ele perguntou se era um bom pai… sabe?” Sua preocupação não estava mais na doença, em seu presente, mas no futuro de sua família. “‘Eu falava ‘Oi pai, como é que você está?’ E ele falava: ‘Eu estou bem, estou bem’. Ele se demonstrava forte para mim.”

 

Colaboraram:

Otávio Morato, autor de artigos sobre eutanásia e ortotanásia, formado em Direito pela UFMG e especializado em Divil-Civil pela PUC-MG.

Oswaldo da Motta, formado em enfermagem pela Universidade Gama Filho e doutor em bioética, ética aplicada e saúde coletiva pela UFRJ.

Adriano Machado Facioli, doutor em psicologia pela Universidade de Brasília e ex-psicólogo do SUS (Sistema Único de Saúde) por 6 anos.

Odete Novembrini, que acompanhou a sogra, o sogro, dois cunhados e o marido, a maioria diagnosticados com câncer de estômago.

Maria Júlia Kovács, professora livre-docente sênior do Instituto de Psicologia da USP e membro fundador do Laboratório de Estudos sobre a Morte.

Mariza Sotelo Codo, que acompanhou o marido em casa, após seu diagnóstico.

Daniely Gonçalves da Silva, que acompanhou o pai, internado no hospital.

Um por todos ou todos por um: por quem viver

 

Por Beatriz Azevedo e Camila Paim

 

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Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

 

É possível viver só para si ou só para outros? Ou existe um equilíbrio entre os dois? Nesse podcast nós discutimos esse dilema, analisando pessoas reais e personagens da ficção, como Anna Karenina e Atticus Finch, e a maneira que lidaram com ele.

 

 

 

Colaboraram:

Homero Silveira Santiago, professor de filosofia na USP

Marcelo Galuppo, professor de direito na UFMG e na PUC Minas

Franck Dagba, organizador da escolinha de futebol F7

Carminha

Apoio técnico:

Pedro Henrique de Sousa

Vinicius Garcia

 

Você quer mesmo viver para sempre?

 

Por Gabriela Caputo e Julia Carvalho

 

 

Quem quer viver para sempre?, questiona uma música da banda Queen de 1986. A noção de imortalidade aparece no imaginário popular como algo meramente ficcional, ou ligado à religiosidade, sob a premissa da vida eterna da alma. Com o avanço da ciência ano após ano, será que estamos próximos de interromper o envelhecimento do corpo?

 

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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