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Mente e prazer

 

Por Isabela Marin

 

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre

Tic-tac. O relógio de cuco bate meio-dia.

Ouço de fundo os ponteiros batendo no relógio. Será que realmente tranquei as portas? Toque, afago, sinto um queimar começando aos poucos. Uma saudade, há quanto tempo não era tocada desta forma. Ainda que o impulso de me desprender e viver o momento tome cada vez mais forma dentro de mim, avisos latejantes batem no fundo de minha mente.

Tic-tac. É meio-dia e um.

A comida está por fazer, vou ter que ser rápida. Hoje as tarefas do trabalho vão tomar toda a tarde. Uma pequena angústia se instala. Saco! De novo esses pensamentos atazanando as raras oportunidades que encontramos para nós. O estresse tem me atrapalhado constantemente na concentração, são apitos insistentes na minha mente, quando não são os incômodos com ele.  

Tic-tac. É meio-dia e dois.

Os ponteiros continuam batendo. Os sons do cuco estão me enlouquecendo. 

Costumava gostar tanto desse estímulo, o que está acontecendo? Sinto que estou demorando, ele irá ficar cansado. Se concentra! Esconda suas expressões! Mas, talvez, se fosse um pouco mais para a minha esquerda e ritmado, será…

Tic-tac. É meio-dia e três.  

Inspiro e expiro pausadamente para retornar ao presente. Uma calma volta aos poucos para meu peito, que agora briga com uma onda de calor que vem de dentro. Respiro e acompanho lentamente essas sensações. Vou sentindo a perda das paredes que antes me sustentavam nesse embate consciente comigo mesma. Estou me sentindo viva, ao mesmo tempo que todo meu corpo está entrando em uma onda inebriada. Sim, quem sabe voltei aos ponteiros exatos do meu relógio.

Tic-tac. É meio-dia e quatro.

A onda que me queima bate tão depressa como se vai. Minha mente volta a martelar. A preocupação com a performance agora deixa meu peito frio e a cabeça quente, correndo com possibilidades e alternativas de poses. Como foi que fiz na última do mês passado mesmo? Tente lembrar…

Puff, sozinha as coisas são tão mais fáceis. Talvez na próxima dê, quem sabe.

Tic-tac. Tic-tac. 

Já não conto mais o tempo. Os ponteiros me entretêm enquanto espero acabar. Como a sexóloga da TV pode falar que o sexo é um interlúdio criativo? Como desligar minha atenção e objetividade nesses momentos? Ideias dançam na minha cabeça…Talvez eu deva voltar a falar mais com ele sobre o que gosto, o que quero. Mas depois de tanto tempo juntos, faz sentido, será?

Tic-tac. O cuco canta.

Quem sabe na próxima.

Colaboraram:

Carolina Degani, terapeuta sexual.
Guilherme Conde, psicanalista, professor e jornalista.
Virginia Gaia, sexóloga holística.

Boa noite, Seu Zé!

 

Por Theo Sales

 

Arte e Imagem: Ana Paula Alves e Maria Clara Abaurre

Com um boné da Nelore, botina de couro e casaco cobrindo até o pescoço, Seu Zé, hoje aos 58 anos, relembra da juventude correndo em meio aos galhos secos e espinhos em um pega de boi. Correndo em cima do cavalo nas vaquejadas no interior de Alagoas, o tempo parecia passar mais rápido. Hoje, nas noites frias em São Paulo, o relógio parece congelar.

José Gabriel da Silva, chamado popularmente de Seu Zé, é vigia noturno na capital São Paulo. Enquanto a maioria dorme, ele se mantém vigilante. Nas noites, o tempo teima a passar. De quando em vez, alguém passa e interações de segundos fazem o ponteiro correr mais rápido. “Boa noite, Seu Zé!”, ao que ele responde com um sorriso no rosto. Após, o silêncio volta a reinar e o os segundos demoram horas.

Ele abandonou sua terra em busca de trabalho e, na riqueza de São Paulo, Seu Zé encontrou a pobreza de tempo. Sua história remete ao livro Uma geografia do tempo, do psicólogo Robert Levine, que mostra que países e lugares mais industrializados, populosos e voltados ao individualismo são mais opulentos, porém “escassos” de tempo. O ritmo da vida marcado pela precisão dos relógios e máquinas voa tão rápido que as 24 horas do dia parecem não ser suficientes. 

Laissez-faire, laissez-aller, laissez-passer. Deixai fazer, deixai ir, deixai passar. Poderiam muito bem ser versos de um poema sobre o tempo, mas se trata da máxima do liberalismo econômico, que poderia ser melhor representado por uma expressão latina clássica: tempus fugit. O tempo foge. A lógica neoliberal subordina a noção do tempo ao cronômetro e acelera a forma como o medimos e sentimos, como sustenta a psicóloga Umbelina do Rego Leite. 

De dia, nunca há tempo, nem para pensar. De noite, tão cansados que estão, querem apenas retornar a suas casas e descansar. Em meio ao fluxo ininterrupto e sempre calculando o dia seguinte, pensar o tempo é como carregar água numa peneira. 

Na contramão desse movimento incessante, como alguém que abre os olhos no meio da noite e aos poucos vai enxergando na escuridão, Seu Zé se acostumou a ver a areia cair. Então o sol nasce e a ampulheta vira, dando início a mais um ciclo de encontros e desencontros com o tempo. O “bom dia, Seu Zé!” marca o recomeço diário. Ele comenta com uma das pessoas que passa: vamos que o dia é longo. Alguns, mais longos que outros…

Colaboraram:

José Gabriel da Silva, o Seu Zé, vigia noturno
Umbelina do Rego Leite, psicóloga e professora de Psicologia da UFPE
Caio Barbosa Cavalcanti, estudante da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas

O que não sai da minha cabeça

 

Por Crisley Santana

 

Luiza estava exausta. Não havia dormido direito, estava muito preocupada, para variar. “E se me demitirem?”, perguntava-se, sentindo o coração palpitar. O travesseiro, naquela noite, não passou de um lembrete de todas as tarefas que ainda estavam por concluir no escritório. 

Nos últimos meses vinha sentindo muita dificuldade de se concentrar, o que fez os afazeres se acumularem. “E se estiverem todos falando de mim, por isso?” inquietava-se enquanto observava os colegas conversarem.

“Ei, Lu. Pode me ajudar com esse item aqui?“. “É claro que não! Estou muito ocupada!” Esbravejou. Sentia os nervos à flor da pele. Não queria ter tratado o estagiário daquela maneira, mas não conseguiu evitar.

A irritabilidade já era parte do seu cotidiano. Tanto, que ficou conhecida como “aquela do pavio curto”. Porém só ela sabia porque se sentia assim. Só ela, e seus músculos, sempre tensos e doloridos.

Foi depois da primeira crise que decidiu descobrir o que sentia. Estava em casa quando aconteceu. Sentiu a garganta fechando, mal conseguia respirar. Deitou-se no chão da cozinha para evitar um desmaio. A sensação de descontrole fazia sentir que o coração explodiria. Chorava desesperadamente enquanto os pensamentos se atropelavam: “e se eu enlouquecer?”

Antes disso, já suspeitava precisar de ajuda, pois seus constantes questionamentos a fizeram sair da faculdade. Não conseguia mais interagir e conviver com aquele estresse diário. “E se não gostarem da minha tarefa? E se não gostarem de mim?”. O estômago chegava a embrulhar. Não era fácil sentir-se tão vigiada.

Talvez não tenha procurado um médico antes por sempre ouvir ser frescura o que  sentia. “É só não ligar para o que pensam”, “não precisa se preocupar tanto”. Sentia-se ainda mais aflita quando ouvia coisas assim. De qualquer maneira, considerou ter sorte. Apesar dos comentários, ao menos sua mãe entendeu porque precisou parar os estudos.

Não era fácil conviver com seu distúrbio. Era difícil admitir para si própria que possuía o tal mal do século, compartilhado por 18,3 milhões de brasileiros. Mas aprendeu a não mais pensar em “e se não fosse assim?”. Precisava admitir: o transtorno de ansiedade generalizada fazia parte da sua vida.

Talvez desde a infância, quando passou a receber apelidos maldosos. Ou por causa daquele relacionamento que despertou-lhe gatilhos. Podia ser genética. Seus pais claramente sofriam do mesmo mal. Não sabia dizer. 

Só sabia que precisava tomar seu ansiolítico do dia e decidir se ligaria para remarcar o horário da terapia. “E se eu faltar para tentar terminar as tarefas? Mais uma vez…”

 

Colaboraram: Carolina Santos Lacerda, Renan Otavyo Ferreira

Fonte consultada: Michelle Binhame, psicóloga clínica

 

Aos que me julgam arbitrário

 

Por Mariana Mallet

 

Eu, que me faço tão presente na vida de todos, sou acusado – injustamente – de passar por cima de sentimentos. Balela! Aliás, sempre me esforço para ser preciso. Ora, não é minha culpa se os outros têm diferentes percepções de mim. Eu não voo, não corro, mas também não espero, não paro: ando a passos certos e rítmicos.  

 

Encontro-me aqui de novo, numa daquelas situações que me acusam de não passar nunca. Ouço o barulho que o ponteiro faz através de uma máquina decrépita que chamam de relógio. Observo-lhes do alto de uma parede branca-amarelada, com sinais de infiltração. Ah, como a humanidade gosta de me culpar pelos próprios fantasmas. É tempo que não passa, tempo que voa, tempo demais, tempo de menos. Sempre tenho culpa no cartório!

 

 

Alguns olham constantemente para os pulsos – que mania eles têm de me medir – e aguardam por atendimento. Outros folheiam revistas que entulham a sala há uns dois anos e balançam uma das pernas freneticamente – a paciência é uma virtude.

 

 

No canto esquerdo, Érica segura o pequeno Cauã adormecido nos braços. Ainda consigo sentir seu desespero ao saber que seria mãe. Achava que era cedo demais. Mesmo assim foi firme, apesar de desejar que eu saltasse por esses nove meses. Se eu compartilhasse das reações humanas, diria que sorri ao ver a felicidade dela quando Cauã deu as caras ao mundo. Engraçado como a humanidade se contradiz: uma hora acha que andei devagar e, quando finalmente passo, diz que voei.

 

 

Observo Carlos, impaciente, preparando um copinho de café. Nesse caso assumo que fui cruel, mas não foi minha intenção. Foram oito anos esperando a chegada do Gabriel. Depois de muitas tentativas e algumas fertilizações in vitro, pude sentir sua frustração. Ora, não sou nenhum sádico, odeio os ver decepcionados. Contudo, digo que trouxe o Gabriel no tempo certo. Mas Carlos acredita que demorei uma eternidade, afinal, oito anos é uma vida! Ainda assim, me satisfaço só de lembrar da alegria com a chegada do tão esperado filho.

 

 

A Duda corre e pula no colo do pai, George. Que energia! Esse amor não precisou de mim para se firmar: foi à primeira vista. A espera por ela foi menor, mas George foi justo: diz que passei relativamente rápido. Oito meses na fila para a chegada da Duda foram esquecidos ao ver seus olhinhos vívidos nos braços de uma cuidadora. Já para ela, a espera foi de um ano e meio para seu grande encontro. Dizem que trabalho junto ao destino: estão corretos. Demorei um pouquinho para entregá-la para que não restassem dúvidas da gratidão e do amor que receberia.

 

 

Ah, a humanidade que ora me ama, ora me detesta. Caminho junto a eles desde sempre. E, às vezes, por estar tão presente, sinto-me quase humano. Alegria, medo, ansiedade, amor: me admira como os sentimentos oscilam tão rápido. Só de fazer parte de momentos como estes, até esqueço das injúrias que me fazem…

 

Assim como os pássaros

 

Por Nelson Niero Neto

 

Desde a primeira memória que tenho, Dona Nisa já não conseguia guardar suas lembranças muito bem. Ao conversar, ela logo esquece o que falamos. Seus chocolates – doces são uma de suas grandes paixões – estragam nos armários porque ela não lembra que escondeu. E, para fazer as atividades mais básicas do dia a dia, ela precisa do apoio da sua ajudante, a Vera.

 

A mais velha dos três filhos de Luís e Ondina, Nisa Navarro nasceu em 1920, em Mococa, no interior de São Paulo. Diretora pedagógica, sempre teve uma pose autoritária. A braveza, porém, se esvai após as primeiras palavras trocadas. Perdeu seu companheiro de vida aos 69 anos – hoje tem 97. Mas nem isso abalou sua postura firme.

 

Vera ainda se lembra da época em que ela era totalmente lúcida. E se lembra do dia que isso começou a mudar: Dona Nisa, um senhora sempre tão confiante e cheia de si, quase caiu em um desses golpes baratos de banco. Esbaforida – não sei se pelo episódio ou pelo calor intenso típico de cidade interiorana –, chegou em casa gritando pela ajudante:  “Vera! Preciso da senha da minha conta. Qual é mesmo?”. Vera estranhou, afinal, minha vó nunca tinha tocado nesse assunto com ela. Perguntou o motivo. “Uma amiga que encontrei na rua disse que precisa ir comigo ao banco. Ela está me esperando na porta”. Ao ir até lá, a estranha saiu correndo. Minha vó teve algum tipo de apagão enquanto andava sozinha e a fulana tentou se aproveitar dela.

 

Isso faz uns 20 anos. Desde então, ela passou a sempre ter companhia – o que não virou um problema. Não perdeu a personalidade marcante e o bom humor. Não deixou de dizer que a vida seria mais interessante se o feijão tivesse gosto de sorvete. E não deixou de brincar com as pequenas coisas. Mesmo ao esquecer de tirar os óculos na hora de se deitar, ela não perde a pose. “Eu preciso enxergar no sonho, oras”, diz, ao colocá-lo no criado mudo. De alguma maneira, consegue manter a postura inabalável.

 

 

Mas há momentos difíceis. Os que ela não me reconhece, por exemplo. Não chega a dizer, mas o olhar é revelador. Num primeiro momento, a tristeza é implacável. Tento, então, pensar que sou só mais um entre os quinze netos. E ainda tem os seis bisnetos. Talvez seja exigir demais dela. Olho a situação com a experiência de 23 anos de vida. Enxergo cada dia como uma experiência única.

 

 

Por outro lado, esse curto período de tempo mal cabe na memória de Dona Nisa. O que são 23 anos quando se tem quase um século de vida? Pior ainda quando não se pode distinguir com clareza o ontem do hoje. Os dias, para ela, são pássaros que pousam rapidamente no parapeito da janela e logo alçam voo para longe. Ao menos, eles levam consigo os problemas e angústias que costumam nos afligir.

 

Sorria, você está sendo observado

 

Por Carla Monteiro

 

Ah, não! Lá vem você com essa sua mania de roubar chocolates da sua irmã. Já vou avisando, ela vai ficar muuuuito brava! Mas é claro que você vai falar que não sabe de nada. Afinal, você acredita que ninguém está vendo. Mas eu já te digo: eu observo tudo. Sempre.

 

Olha só: ontem, o seu vizinho deixou a toalha molhada em cima da cama de novo! Impressionante. Parece que não aprende nunca. Meus amigos ácaros adoraram, né. Quarto quentinho, toalha úmida, resquícios de pele morta  para eles se alimentarem: voilà, um habitat perfeito. Mas quem não gostou nada, nada foi a esposa dele. Ela sempre tem nojinho de tudo e deu a maior bronca no marido. Mal ela sabe que os ácaros fazem a festa na casa dela. Naquele travesseiro, igual ao que você está usando há seis meses, por exemplo, vivem 300 mil  deles, acredita? Eles se divertem, observam a todos o tempo todo e ninguém nem percebe.

 

Eu conheço tudo. A hora que você chega, a hora que você sai, o que você come (aliás, estava muito boa aquela lasanha de domingo, hein. Aproveitei bastante os restinhos da travessa que estava em cima da pia), conheço até quando você vai para o futebol e volta com aquele chulé. E para sobreviver, passo despercebida. Eu prefiro ficar aqui, escondidinha, circulando pelos lados escuros.

 

Às vezes, eu me descuido e os gigantes humanos conseguem me enxergar. É sempre uma fuga. Eles tentam me acertar com qualquer coisa e eu fico toda dolorida. Numa dessas perdi uma antena e fraturei duas patinhas. Não sei porque fazem isso. Eles se acham superiores e maduros. Tão jovens! Mal sabem que estamos neste planeta há 320 milhões de anos. Mal sabem também que, só em São Paulo, somos 200 baratas para cada habitante da cidade. Assim fica fácil observá-los por todos os cantos.

 

É, pode ser que você não perceba, mas eu estou em todos os lugares, o tempo todo. Apenas observando. Eu sei de tudo que acontece por aqui. Na semana passada, eu presenciei a seguinte cen… PLAT! AHHHHHHH! UMA BARATA! QUE NOJOOOO!

 

Oh, não! Esse escândalo de novo não! Eu te disse que eu não podia me descuidar! PLAT! PLAT! MATA! MATAAA! Na próxima eu completo a história! Mas olhos abertos, eu estou por aí… a te observar. PLAT!

 

Fonte: André Guilherme Costa Vaz Alves, biólogo e professor efetivo da rede estadual de ensino

 

A saga doméstica do alinhamento de chakras

 

Por Isabelle Almeida

 

Em um final de tarde de quinta-feira, tendo voltado do estágio e sem nenhum plano para noite, decidi que tentaria meditar para abrir meus chakras. Sem nenhuma noção sobre o assunto, mas com vontade de aprender, comecei minha pesquisa pelo único lugar por onde sabia começar: o Google. Logo de cara percebi que as opções que haviam na internet são quase que infinitas. Métodos diferentes de meditação, mantras, vídeos, posições de yoga, uma série de ferramentas disponíveis de forma ilimitada para qualquer um com um computador por perto. É um pouco intimidador a princípio. E é difícil escolher o que funciona melhor quando não se tem experiência nenhuma. Sem ter muita noção do que estava fazendo, achei que deveria começar pelo básico: meditação.

Parti para os exercícios. Comecei por um vídeo de meditação guiada que achei no Youtube, de 44 minutos. Se eu ia fazer isso, ia fazer direito. Decidi que deveria tentar uma imersão total. Fechei a janela, me tranquei no meu quarto. Acendi um incenso de lavanda que encontrei guardado no armário e só pela emoção, também tirei da gaveta meu quartzo rosa em formato de coração para ajudar com a energização. Li em algum lugar que cristais ativam os centros de energia e equilibram o campo magnético do corpo. Se isso não funcionasse, não sei o que iria. Sentei-me no chão, arrumei minha postura, cruzei as pernas e alinhei minha coluna. Não tinha ninguém em casa, tudo estava em completo silêncio. Respirei fundo e dei play no vídeo. Uma voz feminina um pouco inquietante logo começou a sussurrar em meus ouvidos, exercício de ativação e alinhamento dos chakras, coloque-se confortavelmente sentado… Eu procurei me concentrar, mas acabou que encontrar uma postura certa foi mais difícil do que eu imaginava. Cinco minutos de vídeo e surgiu minha primeira dificuldade. A cãibra. Descruzei as pernas algumas vezes, tentei me esticar. Não teve jeito. Precisei me levantar e sentar na minha cama.

Recomecei. Tudo bem, estava tudo certo. Já tinha superado a estranheza inicial de uma voz me guiando, estava confortável na minha posição. Sentia meu corpo se aquecer, uma sensação gostosa enquanto me concentrava na voz da mulher. Tudo ia melhor do que eu previa. Imagine agora o ar mudando para a cor laranja, e a cada inspiração ele entrando por suas narinas como uma névoa... Eu tento me concentrar na minha respiração. Inspiro e expiro lentamente, enquanto procuro visualizar a energia laranja saindo de mim. Tento fazer a mesma coisa com os chakras seguintes (o que consigo com mais ou menos sucesso). E tudo parecia certo, até que percebo que estou divagando cada vez mais. Aquilo estava demorando demais. 44 minutos do dia fazendo isso? O que eu tinha na cabeça? Não tinha esse tempo todo para gastar. Se esse vídeo não terminasse logo ia me atrasar, tinha que comprar o presente de aniversário da minha amiga, tinha que arrumar minhas malas porque ia passar o fim de semana na praia. Não tinha tempo para isso.

Dei uma espiada no vídeo. Faltavam 20 minutos. Droga. Não, tudo bem. Concentre-se. Inspire a luz verde, sinta a sensação de calma invadir seu peito... Continuei, distrair-se era normal, li em diversos sites diferentes. Apenas deixe que o pensamento passe, sem julgá-lo. Isso funcionou por um tempo. De repente, ouço um barulho vindo da sala. Percebo imediatamente do que se trata. Minha mãe chegou mais cedo em casa hoje. Sabia que isso ia acontecer. Ela me chama, e eu tento ignorar. Concentre-se, concentre-se. Ela grita alguma coisa e eu grito de volta, Tá mãe, depois eu vejo isso! Ligeiramente irritada, volto a fechar os olhos e tento me focar de novo. Agora só faltam dois chakras. Leve sua atenção ao chakra do terceiro olho, inspire o ar e o visualize na cor azul-escuro índigo... Finalmente cheguei ao chakra frontal. Desde o começo, era o chakra que eu mais tinha curiosidade em abrir. Imagino uma cor forte azul-escura ainda mais saturada, da mesma cor de uma noite escura. Não tenho muita certeza se a cor que imagino é índigo, mas acho que não importa. Sinto-me invadida por uma luz forte, e por alguns breves instantes é quase como se eu realmente tivesse alcançado um estado para além do nível básico de consciência. É difícil de explicar, mas essa sensação dura apenas alguns segundos.

Essa energia estimula uma vibração que se espalha em círculos, de uma forma sutil… A música é suave a voz da moça é tranquilizante. Se eu estivesse deitada, com certeza já estaria dormindo. O silêncio é cada vez maior, seus pensamentos são claros, nítidos... Então, de repente e sem aviso prévio, a música para. Lentamente voltando sua atenção novamente para seu corpo… Abro os olhos com certa surpresa. Talvez até um pouco decepcionada. Os 44 minutos terminaram. Com as palmas das mãos juntas em frente ao coração, agradeço pela experiência. Não me sinto transformada, mas me sinto bem.

Por Isabelle Almeida

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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