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A arte da retranca e dos placares magros

 

Por Diego Bandeira e Luccas Nunes

 

Capa - Diego e Luccas

Arte: Bianca Muniz; fotos: Pixabay, Freepik

 

 

Muitas vezes, jogar defensivamente é a única maneira de derrotar um adversário poderoso e cheio de craques no futebol, em uma típica batalha de Davi contra Golias. Contudo, essa não é uma tarefa fácil: os jogadores devem se comportar como peças em um tabuleiro de xadrez, fechando todos os espaços do campo e resistindo para que o adversário não crie oportunidades de gol.

 

Os zagueiros ficam postados de forma mais recuada, como cães de guarda entre os laterais, que, como  o nome sugere, ocupam os lados. Já os meias e atacantes ocupam espaços mais à frente para dificultar a armação de jogadas do oponente. Enquanto isso, o goleiro fica embaixo das traves como o último bastião defensivo, responsável por jogar um balde de água fria no atacante adversário.

 

Esse estilo de jogo, se bem executado, é eficiente, mas não costuma agradar. Qualquer um que vê uma partida espera muitos gols, dribles e lances bonitos. No entanto, quando um dos times joga na retranca com todos na defesa, é comum que a partida termine sem gols ou com uma vitória magra de 1 a 0 para algum dos lados. 

 

Porém, quem opta pelo jogo defensivo não está preocupado em dar espetáculo, e sim em vencer. Por isso, essa estratégia geralmente é adotada por equipes mais fracas em uma tentativa de resistir e derrotar oponentes mais fortes.

 

Ainda assim, a consagração de um time retrancado é possível, “mesmo que não seja tarefa fácil e dependa de resultados”, conta Celso Unzelte, comentarista esportivo da ESPN.

 

A Itália, em 2006, ganhou a Copa do Mundo jogando dessa forma. A equipe atuou de modo equilibrado durante o torneio, mas na final, frente ao elenco francês recheado de estrelas, se viu forçada a formar uma muralha defensiva. Com nomes como Cannavaro único zagueiro a ser eleito melhor jogador do mundo pela Fifa — e Buffon, eleito melhor goleiro da competição, a seleção sufocou o adversário e conquistou o tetracampeonato mundial.

 

Mais recentemente, pode-se citar a conquista da Libertadores da América pelo Corinthians em 2012, de forma invicta, tendo sofrido apenas quatro gols em 14 jogos. Como conta Unzelte, o clube era traumatizado com a competição por seu histórico de derrotas, e o divisor de águas para que a equipe acreditasse no título foi justamente uma defesa do goleiro Cássio.

 

Nas quartas de final do torneio, o time enfrentou o Vasco. O placar estava empatado, até que um erro de passe crucial por parte do Corinthians quase pôs tudo a perder. Os segundos que seguiram o lance pareceram uma eternidade para os 35 mil torcedores no estádio do Pacaembu. Enquanto isso, o atacante do time carioca, sozinho, carregava a bola em direção ao gol. Quando ele chutou, tudo já parecia perdido, mas Cássio fez uma importante defesa com a ponta dos dedos e manteve o time no páreo.

 

Daniel Teixeira, torcedor do Corinthians, viu o lance da arquibancada do estádio. Ele ainda lembra da emoção: “o estádio explodiu em alegria, foi como se tivesse sido marcado um gol”.

 

Defesa fraca, cobrança forte

 

Mas como esse estilo não é o mais vistoso, quando os resultados não vêm, as críticas são fortes. Após fraco desempenho em 2019, o que o técnico do Palmeiras mais ouviu foram gritos de “Fora Mano Menezes” e “retranqueiro” por parte da torcida. O resultado foi sua demissão após apenas três meses de trabalho.

 

Como explica Danilo Benjamim, treinador com passagens por clubes como Athletico-PR e Coritiba, “é mais complicado construir uma parede do que a destruir”. Por isso, o sucesso no futebol é muito atrelado a um jogo bonito e ofensivo, como o do Santos de Neymar, que conquistou diversos títulos entre 2010 e 2012 goleando boa parte de seus adversários.

 

Mesmo com essa cobrança por ofensividade e gols, o estilo defensivo ainda traz muitas alegrias. Uma vitória sofrida costuma ter um sabor muito bom para o torcedor.

Razão e emoção

 

Por Cesar Costa

 

Razão e emoção, apesar de opostas, são também complementares. Ambas são importantes em diversos momentos de nossas vidas, como em competições esportivas, por exemplo. 

Venha entender, pela ótica de uma partida de futebol, como a dosagem desses dois aspectos pode ser a grande diferença entre fazer a escolha certa ou errada.

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Fim do fator casa?

 

Por Amanda Capuano e André Netto

 

O Campeonato Alemão, a Bundesliga, foi a primeira grande liga europeia a retomar suas atividades após a paralisação por conta da pandemia da Covid-19, mas voltou sem torcida, para evitar contaminações. A retomada sob esse novo modelo, que teve início em 16 de maio, trouxe resultados surpreendentes até aqui, números que nos fazem questionar qual o peso das torcidas e como os fãs influenciam nos resultados das partidas.

Com mais de 40 mil espectadores por partida e uma taxa de ocupação de mais de 90%, o Campeonato Alemão tem uma das melhores médias de público do mundo. Em um país onde os clubes estão acostumados a jogar com estádios cheios, a volta do futebol sem torcida pode ter um peso ainda maior. A exemplo disso, o estádio do Borussia Mönchengladbach exibe uma faixa em que se afirma que “futebol sem fãs não é nada”. Para Gerd Wenzel, comentarista da ESPN, com a ausência dos torcedores, a vantagem do mando de casa, na prática, deixou de existir. “Sem torcida, qualquer estádio se transforma num campo neutro”, opina.

Isso se confirma quando olhamos para as estatísticas. O número de vitórias dos mandantes caiu pela metade, enquanto os visitantes passaram a ter um sucesso muito maior quando analisamos os dados das quatro primeiras rodadas pós-pandemia. 

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Sem os gritos de incentivo das arquibancadas, o favoritismo de jogar em casa se perdeu. Levando em conta os jogos em que os mandantes eram favoritos a vencer nos sites de apostas, nota-se uma queda expressiva na porcentagem de vitórias e aumento na porcentagem de derrotas. A capacidade do time da casa de surpreender equipes mais fortes também aparenta ter ido pelo ralo. Sem torcida, os mandantes não venceram nenhum jogo em que eram favoritos, e perderam 18 de 23 partidas.

 

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A julgar pelos números, a torcida tem uma influência de peso nos resultados. Segundo Luis Fernando Zamuner, professor de Educação Física no ensino básico da rede estadual de São Paulo e especialista em Ciências do Esporte pela Universidade Gama Filho, tamanho impacto pode ser explicado por um fator motivacional. Em sua pesquisa publicada em 2017 na Revista Brasileira de Futsal e Futebol (RBFF), Zamuner analisou um grupo de jogadores da Ponte Preta, time do interior Paulista, e constatou que 70% dos participantes consideram uma torcida numerosa como um incentivo a quem está em campo. 

Tal situação é ainda mais visível quando os times entregam desempenhos extremos – seja para o bem, em meio a uma fase vitoriosa, ou na ponta oposta, quando, por exemplo, lutam contra um rebaixamento. “Nestes casos, a torcida costuma incentivar mais e demonstra mais comprometimento. Isso contribui para que a equipe mantenha-se focada”, analisa o entrevistado.

Há, porém, algumas desvantagens. Apesar da maioria dos jogadores gostar de atuar em clubes com grandes torcidas, tamanha influência pode partir para um lado menos agradável. Se a equipe passa por um momento ruim, a cobrança em clubes tradicionais é maior. Nesse sentido, Zamuner explica que  jogadores experientes costumam absorver melhor essa cobrança, enquanto os mais novos são mais afetados por ela.

Já sobre o retorno do futebol sem a presença dos torcedores, o pesquisador pondera que o impacto depende muito da relevância da partida, mas é inevitável que a ausência influencie no rendimento já que, “em qualquer que seja a atividade, é bom ter alguém que aprecie e valorize o seu trabalho.” Assim, segundo ele, para os jogadores, um gol sem torcida não é tão gratificante de se comemorar quanto aqueles marcados diante dos fãs.

 

Mas futebol sem torcida faz sentido?

A pergunta levantada por torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas têm fundamento. Afinal, o que pudemos observar até aqui é um esporte diferente e sem um fator fundamental. Mas então, por que o futebol voltou? Renato Marques, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que a torcida é apenas uma das fontes de renda dos clubes e do grande negócio que se tornou o futebol.

“O modo de aproximação dos torcedores e consumo do futebol atualmente passa por inúmeras formas de relação das pessoas com este fenômeno, e a presença da torcida nos estádios é uma pequena parcela disso”, afirma Renato. Dessa forma, analisando do ponto de vista comercial, o retorno das atividades está muito mais relacionado a dirigentes, patrocinadores e outros grupos envolvidos no espetáculo.

Além disso, também há uma perspectiva sociológica, que explica inclusive a tentativa de volta precoce do futebol no Brasil em busca da sensação de normalidade frente à pandemia da Covid-19. 

Mas, enquanto as partidas acontecerem sem torcida nos estádios, o futebol estará bem longe de sua forma natural e normal.

Equipe conquista incrível vice-campeonato

 

Por Diogo Magri

 

Um círculo no meio do campo, formado por torcedores, jogadores e diretores, agradece pela glória conquistada. O
motivo do agradecimento está no meio da roda: um troféu. A cena, ocorrida em Batatais, a 355 km da capital São Paulo, é comum após a vitória de um time de futebol na final de um campeonato. Um aspecto, entretanto, chama a atenção em toda aquela comemoração. O troféu é de prata – a cor do segundo lugar.

 

Conhecer o Batatais FC ajuda no entendimento do contexto. Com 98 anos de história, a equipe não possui uma
estrutura que rivalize sequer com outros times do interior. Em 2017, porém, o Batatais se sagrou vice-campeão
da Copa São Paulo de Futebol Júnior, a competição mais importante da categoria sub-20 no Brasil. “Foi tudo lindo,
nunca vai sair da minha cabeça”, comenta Bruno de Paula, membro de uma torcida organizada do time que acompanhou toda a campanha.

 

Dos 120 clubes que iniciaram a competição, Batatais e Corinthians chegaram à final, no dia 25 de janeiro, no Pacaembu. Maurício Kem, volante do Batatais, mal conse guia acreditar no que estava vivendo: “Era um sonho meu
de muito tempo atrás”. Maurício, por conta de um cartão amarelo na semifinal, não pôde enfrentar o Corinthians,
mesmo tendo sido titular a competição inteira. “O que mais me chateou foi não ter jogado a final, mesmo tendo contribuído para tudo aquilo. Ainda assim, estava muito animado pela equipe”.

 

Enquanto Maurício controlava a expectativa no hotel onde o time estava hospedado, na capital, Bruno se dirigia a São Paulo com a caravana que havia saído de Batatais na manhã do dia da final. “Fomos em seis ônibus e alguns carros”, conta. Chegar ao Pacaembu e encher um setor das arquibancadas parecia inimaginável para a torcida de um clube tão pouco conhecido. “Ali, caímos na realidade e entendemos o que aquilo significava”, reforça Bruno. E, quando a bola rolou, o time grande, empurrado pela tradição de títulos e por milhares de torcedores no estádio, teve dificuldades frente àqueles meninos do interior.
Bruno resume, orgulhoso: “A determinação de cada atleta nos impressionou”. Por isso, o resultado, 2×1 para o Corinthians, pouco importou. O que se viu após o apito final foi uma festa de ambos os lados. Para Maurício, a chateação de não poder ajudar os companheiros ou mostrar seu futebol em rede nacional desapareceu após o jogo. “Não tenho nem palavras para descrever uma felicidade tão grande quanto a que senti naquela hora”, disse. Após a partida, eles voltaram com os ônibus para Batatais e encerraram a festa no campo do time, com a roda de agradecimento. Naquele dia, a medalha de prata, cujo clichê é ser símbolo de uma derrota, teve um valor dourado.

Olho no lance

 

Por Roberta Vassalo

 

A bola vai rolando no gramado, os jogadores atrás. Três lutam pela posse, outros dois mais distantes se preparam para recebê-la. O outro time intercepta. Na arquibancada, a torcida levanta e grita. O barulho, inversamente proporcional à distância entre a bola e o gol, é cada vez maior. Em meio ao alvoroço, um único integrante com a vestimenta de cor diferente e apito no pescoço, corre para observar o lance. O atacante se prepara para chutar, mas é derrubado. O juiz apita. “Ei, juiz, vai tomar no cu!”

 

Dentro de um salão, parado, olhando para a bolinha que saltita freneticamente de um lado para o outro até que um dos jogadores golpeia o ar com a raquete e o jogo para. Tem o dever de olhar fixamente a repetição até que chegue o 11º ponto do set. Manter a atenção no tênis de mesa não é para qualquer um, afinal, não é à toa que a modalidade não é conhecida por ter torcidas alvoroçadas — ou qualquer torcida. No xadrez é a mesma coisa, mas o inconveniente é outro. Na maior parte do tempo, parece que nada acontece. Podem passar minutos até que uma peça seja movimentada no tabuleiro.

 

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Conhecedor do jogo melhor que ninguém, corre tanto quanto o jogador de futebol, mantém a concentração de um atleta de tênis de mesa, mas nem um troféu almeja. Arbitrar definitivamente não está entre os ofícios de maior apelo no universo esportivo. “Me tornei árbitro mais por necessidade, por falta de gente que tinha ambição ou vontade de ser”, confirma um dos maiores nomes do xadrez mundial, Herman Claudius. Para ele, que já competiu nos principais campeonatos do mundo, a arbitragem é só mais uma das atividades relacionadas ao esporte à qual se dedica.

 

Ao final da coluna da página de Esportes do Estadão em 6 de fevereiro de 99, de sua autoria, era anunciado o curso de arbitragem da modalidade que o próprio autor ministraria no final do mês. A coluna de xadrez, publicada todos os sábados, chegaria ao seu fim dois anos depois, ao contrário da carreira em arbitragem, que ainda contaria com campeonatos como a final do mundial, em 2005.

 

O convite para arbitrar geralmente envolve viagens e dias de dedicação completa. O clima de amizade com outros árbitros é o que encoraja Maurel Luchiari, técnico de tênis de mesa, que arbitra jogos há 20 anos. “Na viagem é só falando de tênis de mesa, sobre cada jogador. Na volta, é sempre comentando o que cada um fez e o que não fez, trocando experiências.”


A remuneração é baixa. A carga horária, não. Mesmo assim, para Herman, o trabalho já foi significativo complemento em sua renda. “Ser jogador de xadrez não é tao simples, as pessoas não conseguem viver só de premiação, então você acaba buscando alternativas e a arbitragem é uma delas.” O primeiro a chegar no salão termina 
a jornada com o aperto de mão dos jogadores após a última rodada do dia. Fim de papo.

 

Unidos por um grito

 

Por Carol Oliveira

 

 

PACAEMBU

Domingo, duas da tarde. Uma massa verde e branca colore as ruas de Perdizes, rumo a mais um jogo do Palmeiras.

 

Da porta do estádio, dá para ver a sede da Rasta Alviverde, torcida organizada do Verdão fundada há três anos. A loja na rua Diana vende artigos como camisetas e bandeiras. Mas mais do que isso, o endereço é o ponto de encontro dos que fazem a Rasta acontecer.

 

Morador do Jardim Santa Terezinha, na zona leste, o presidente David Bazarello tem na sede, no outro lado da cidade, sua segunda casa. “A gente até dorme aqui às vezes”, conta. “Eu vejo mais esses moleques do que a minha família de sangue”.  

 

Tudo ali é verde: o Bob Marley desenhado na parede, a erva tão apreciada, e, é claro, os símbolos do time. Com cerca de 50 sócios, a Rasta ainda é pequena. As obrigações, no entanto, são grandes. Para tudo isso acontecer, não existe uma relação de cargos e funções definidas. Quem pode, ajuda um pouco, e ajuda como pode.

 

Mas em dia de jogo, a família aumenta. Os meninos da zona leste se juntam aos barões de Perdizes e a outros milhares de palmeirenses que, juntos, fazem estremecer as arquibancadas do novíssimo Allianz Parque.

 

Já na Independente, maior organizada do São Paulo, o número de sócios passa de 70 mil. A loja fica numa galeria próxima à praça da República e tem funcionários contratados. O presidente, Henrique Gomes, 37, senta-se numa mesa, ao estilo “Poderoso Chefão”.

 

Naquele dia, a Independente vendia ingressos para o jogo contra o River Plate pela Libertadores. Mesmo sem que se conhecessem, os milhares de sócios da torcida se juntariam aos mais de 50 mil presentes no Morumbi. Em comum? O amor pelo clube.

 

No entanto, a vida das organizadas não anda fácil. Desde a briga entre torcedores de Corinthians e Palmeiras no último dia 2 de abril, antes do clássico pelo Paulistão, símbolos das torcidas não são mais permitidos nos estádios.

 

“Falam mal das organizadas, mas é a gente que faz as músicas que todo mundo vai cantar. Quando vai vender pay-per-view, é a nossa festa que aparece”, diz o presidente, membro da Independente desde os 17 anos.

 

Para ele, essa é justamente a riqueza de uma torcida organizada: fazer essa família tão diversa se unir num único grito.

 

Porque na hora de apoiar o time, a voz vira uma só. Na hora de vaiar o árbitro em algum lance duvidoso, também. Durante aqueles segundos, não existe distinção de classe ou de cor. Só existe o time, e tudo o que ele representa para todos.


David resume: “O que a gente sente não dá para explicar”.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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