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Seguir padrões também é um direito

 

Por Mariana Cotrim e Mayumi Yamasaki

 

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Arte: Mariana Arrudas; fotos: Mariana Cotrim e Mayumi Yamasaki

 

 

Em 2018, a blogueira Bruna Vieira postou no Instagram uma foto com os cabelos lisos, o suficiente para que internautas fossem aos comentários criticá-la pela escolha, que não condizia com o processo de transição capilar pelo qual passava.

 

A resposta dos seguidores de Bruna mostram como é usual haver críticas sobre a escolha de alguém. De acordo com Nadini Brandão, especialista em psicologia clínica, socialmente, sofremos imposições para aceitar determinadas ideias.

 

Além disso, há o costume de colocar a identidade como uma caixa fechada, o que leva à crença de que ser de certo grupo, ou apoiar uma ideia, não dá abertura para um comportamento diferente do esperado. Bruna, que mostrava em seu perfil o processo para aceitar os cachos, foi criticada por aparecer uma vez com os cabelos lisos, simplesmente por ir contra a expectativa de quebrar esse padrão. Mas ela não é a única que sofre por isso.

 

Izadora Pigozzo adora seguir blogueiras que prezam o amor ao próprio corpo, magro ou gordo. Mas está tentando emagrecer. Ao perder peso, sentiu-se hipócrita por acompanhar pessoas que falam em aceitar-se e, ao mesmo tempo, resistir a essa ideia. Eduara Terra acha impossível lidar com as pressões, que vêm de todos os lados: o da autoaceitação e o da manutenção de padrões antigos, como o cabelo liso, que a agrada mais que seu cabelo natural, volumoso.

 

Uma simples mensagem sobre o poder de “aceitar-se como é” nas redes sociais não aborda as singularidades da autoaceitação. Quando discute-se o tema online, o espaço para conflitos é potencializado e, no meio dos disparos, pessoas como Izadora e Eduara ficam confusas.

 

Diana Bado também está no meio dessa encruzilhada. Quando se depila, sente desconforto entre as amigas da faculdade, que não costumam fazer o mesmo. Por outro lado, quando deixa os pelos das axilas crescerem, as viagens de ônibus são constrangedoras,  pois todos a olham assim que levanta os braços para se segurar. 

 

É difícil suprir todas as expectativas externas. Por isso, o debate que envolve a quebra de padrões deve estar relacionado a uma busca individual e consciente. O problema é que, no mundo virtual, o assunto é tratado majoritariamente sob o enfoque da questão estética, e aceitar-se vai muito além disso, de acordo com Nadini.  

 

Na visão da especialista, o autoconhecimento visto de forma global significa compreender a si mesmo e olhar para si como um ser complexo, e esse exercício extrapola a parte estética. É a partir de uma análise mais profunda da própria imagem, comportamento e papel social que alguém pode se conhecer o suficiente para saber o que quer mudar ou preservar.

 

No entanto, a cientista social Aline Tusset Rocco, lembra que as pessoas só são, de fato, livres para escolherem o que querem fazer com os seus corpos, quando sabem de onde vêm os padrões estéticos e comportamentais que as influenciam. Isso porque os gostos são formados socialmente: aprendemos que o liso e o magro são bonitos, e por isso eles ainda são parte hegemônica de expressões, o que os torna padrões. 

 

O ideal, na opinião da Aline, seria que todos os tipos de corpos tivessem o mesmo nível de exposição para que a escolha fosse mais justa. Como isso não acontece na prática, o discurso da autoaceitação torna-se mais forte hoje, e resistir a ele pode ser visto como uma afronta à quebra de padrões.

 

O movimento que caracteriza o processo de autoaceitação leva um indivíduo a conhecer-se e mudar a partir do que lhe faz sentido. Izadora passou por um processo até entender que pode, aos poucos, querer ser magra, e que não precisa se sentir mal por isso, se a fará bem. Com a consciência de onde vêm os padrões, manter-se neles não significa necessariamente resistir ao processo de aceitar-se.

 


Colaboraram

Aline Tusset de Rocco – mestra em Ciências Sociais, focou sua pesquisa na relação de mercadorias de consumo com a construção de identidades em meios digitais.

Nadini Brandão de Souza Takaki – Formada em Psicologia Clínica na Abordagem Centrada na Pessoa, mestre e doutoranda em Psicologia pela Puc-Campinas.

*Feito com base nos relatos de Diana Bado, Izadora Pigozzo, Eduara Terra, Maria Eduarda dos Santos e Vânia Cristina Selarin.

A medida de uma beleza sem medida

 

Por Bianca Muniz

 

O que Robert Pattinson, considerado um dos rostos mais harmoniosos do mundo, tem a ver com o “Homem vitruviano”, de Leonardo Da Vinci? Matemática: ambos se aproximam da razão áurea, ou 1,618, representada pela letra grega phi. Esse número estima o equilíbrio entre formas na natureza, na arquitetura, na anatomia e para muitos, isso é sinônimo de beleza.

A busca por um corpo bonito leva milhares de pessoas aos consultórios e clínicas de estética. De acordo com dados do último censo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, mais de um milhão de pessoas realizaram cirurgias estéticas em 2018, cerca de 25% a mais que o censo anterior. Adriana Fernandez é uma delas: na busca pelo corpo ideal, a criadora de conteúdo já fez diversos procedimentos, como cirurgia bariátrica, mastopexia (procedimento para reposicionamento dos seios) com prótese, rinoplastia, aplicação de botox, preenchimentos na face, entre outros. Tudo isso para garantir o ideal de beleza magro e sólido, afinal, ela acredita que ser bela abre portas nesse mundo.

Mas a valorização de medidas proporcionais começou muito antes das transformações de Adriana. Pensadores da Grécia Antiga associavam a beleza à imagem dos deuses da mitologia. Isso explica algumas correntes artísticas que tiveram força no ocidente. O corpo representado nas pinturas e esculturas da época projetava como o homem se via ou como queria se enxergar – como um deus grego, com a distância entre partes do corpo e comprimento dos membros seguindo uma proporção que se aproximasse de phi. Isso representava a virtude e a beleza, seguida por muitos anos em diferentes campos além das artes, como na moda e na arquitetura.

Para a repórter Izabel Gimenez, esse ideal de proporções surte efeitos na autoimagem até hoje, e é estimulado pela moda e pela imprensa. A ausência de manequins plus size e a criação de peças que desvalorizam o corpo gordo, por exemplo, reforçam que medidas fora do padrão não são bem aceitas e levam aqueles que não se encaixam nas proporções a buscarem um corpo que não é o seu.

Além disso, a busca por um corpo “capa de revista” por meio da razão áurea pode não garantir a beleza desejada. O cirurgião plástico Jeimeson Costa conta que, apesar da aplicação dessa proporção em alguns procedimentos estéticos, a medicina não é uma ciência exata e a anatomia não é igual para todas as pessoas. Alcançar uma medida ignorando as proporções de seu próprio corpo pode gerar resultados frustrantes e comprometer a funcionalidade do organismo.

Colaboraram:

Claudinei Roberto (professor das oficinas de criatividade do SESC Pompeia e artista plástico),

Izabel Gimenez (criadora de conteúdo e repórter de Moda e Beleza na Revista Capricho),

Jeimeson Costa (médico cirurgião plástico).

Os dados da pesquisa apresentada fazem parte do Censo 2018 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, publicado em 2019.

 

Em Busca do Corpo Ideal

 

Por Sofia Mendes

 

Toda a batalha com meu peso começou quando eu estava entrando na adolescência. Na infância não tinha muito dessas coisas, eu era uma criança normal, então não ligava muito pra isso… Ou vice-versa. Mas com a puberdade se estampando no meu corpo (nas minhas novas coxas fartas e braços rechonchudos) e as opiniões dos outros importando cada vez mais, a insatisfação com minha aparência se tornou parte da rotina.

 

Meus pais também deram um “empurrãozinho”. Eles foram os primeiros a cortarem minhas “besteiras”, a controlarem o que eu comia e a julgar quando eu estava “acima do peso”. Até promessa de presente caso emagrecesse eu recebi!

 

 

A partir daí as dietas eram as mais malucas: dos pontos, da banana verde (que dor de barriga!), das calorias vazias… Mas o que eu mais gostava mesmo era de ficar em jejum – me sentia poderosa por poder ficar muito tempo sem comer, uma guerreira! Exercício físico? Que preguiça! Mas como não tem solução, o jeito era fazer ginástica aos montes de uma vez só, até me machucar.

 

Com uns 15 anos, eu entrei em uma dieta por conta própria, e ia na academia sete dias por semana. Consegui perder 25 quilos (uau!), mas perdi também alguns amigos, já que não podia comer nada nos lugares que eles iam, além de sempre estar  sem energia para sair. Além disso, sempre fui mestre em esconder as partes do meu corpo que mais me incomodavam, não importava meu peso. Numa dessas, andando na rua  de moletom no auge do verão desmaiei de calor, em prol de esconder meus pobres bracinhos.

 

Gastei energia absurda tentando esconder meu corpo e minhas imperfeições, quando eu podia ter aproveitado minha família, feito novos amigos e dado mais atenção aos antigos. E eu vejo isso agora, no início da vida adulta e com uma cabeça – e corpo – totalmente calejados por essa experiência. Aprendi muito sobre empoderamento feminino e libertação dos padrões. Hoje em dia não compro mais revistas que me prometam o corpo perfeito; seguir “musa fitness” nem pensar!

 

 

Mas vira e mexe eu ainda me pego olhando pro espelho apertando uma gordurinha e odiando ela estar ali. Ainda deixo de usar uma roupa linda porque acho que ela ressalta meu quadril – fora de cogitação! É até meio bobo falar isso, porque ao mesmo tempo que você apoia e empodera as meninas que passaram e passam pela mesma coisa que você às vezes é tão difícil se livrar desses pensamentos ruins!

 

No final das contas, você vira o seu pior inimigo, mais que os olhares julgadores, as revistas de moda, os padrões.E a maior luta, a contra você mesma, é diária, inconstante e sofrida. Pelo menos eu sei que não estou sozinha nessa.

 

*Texto baseado em relatos anônimos.

 

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Por Sofia Mendes

 

Do outro lado

 

Por Pamela Carvalho

 

 

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Ela olhou no espelho mais uma vez. As ondas dos cabelos acobreados caíam como cascata pelos ombros. Nenhum fio branco! A pele também estava reluzente: a ultima injeção tinha funcionado maravilhosamente. Passou as mãos pelas maçãs do rosto e sorriu. Estava pronta. 50 anos na identidade, mas aparência de 28.

 

Escolheu andar até o restaurante. Estava tarde, mas combinou de encontrar Marcos perto de casa. Estratégico. Caminhar também ajuda a refletir. Naquela noite ela precisava colocar os pensamentos em ordem.

 

“Você sempre foi tão segura, Ju. Sempre levantou a voz para defender o direito das mulheres se sentirem belas em qualquer corpo, qualquer idade. E agora você gasta maior grana em estética para fugir da idade que tem. Isso não faz sentido”. As palavras da amiga tiveram efeito cortante. Sim, ela se deu ao luxo de gastar em tratamentos. Mas é assustador perceber o corpo cedendo às pressões do tempo. Até os 40, ela recebia elogios por aparentar ser mais jovem do que era. Mas depois dos 45… parece que tudo desandou! Os fios brancos se multiplicavam ferozmente, as rugas brotaram sem piedade e os músculos pareciam resistir a qualquer tentativa de torneá-los.

 

Não gostava de se ver refletida. Queria mudar de aparência, queria voltar no tempo. Queria, mais do que tudo, ser aquela jovem de 22 anos que subia no palanque da faculdade para falar sobre empoderamento feminino. Naquela época ela usava manequim 38, tinha cabelos esvoaçantes e voz aveludada ao discursar sobre a necessidade de quebrar os padrões estabelecidos pelo patriarcado. Três anos atrás ela havia lido dados divulgados pelo IBGE: pesquisas afirmavam que o brasileiro gasta mais em estética do que em comida. Chocante. Bem, hoje em dia, entre os tratamentos e a dieta restritiva, talvez ela faça parte desse grupo.

 

Chegou adiantada. Ele não estava lá. Pediu uma água e esperou. “Sua água, senhorita”. Se-nho-ri-ta! Ela se deliciou com cada sílaba daquela palavra. Os tratamentos vieram a calhar. Mas a alegria durou pouco. Lembrou das palavras da amiga. Quando será que começou a temer tanto o futuro? Sempre se viu como uma pessoa que envelheceria com gosto. Mas não, tratou de esconder cada marca que o tempo lhe trouxe.

 

“Está esperando alguém?”. Respondeu que sim, que havia reservado mesa para dois e se perguntou onde estaria Marcos. Ah, Marcos. Chefe da repartição, diziam que ele saia com as estagiárias. Gostava mesmo das novinhas. Mas mostrou interesse nela desde o início.

 

“Você está linda”, disse ele ao chegar, logo antes de lhe dar um beijo na testa. Cavalheiro, um charme. Mas não conseguiu deixar de pensar se ele estaria ali com aquele entusiasmo se na sua frente estivesse uma mulher com 50 anos aparentes. Provavelmente não. Saiu com um homem superficial. No escritório, ele é cheio das piadinhas sobre mulheres mais velhas. “Eu já passei dos 50, sabia?”, a pergunta escapou, totalmente sem contexto, entre garfadas. Ele fez cara de espanto, seguido de um sorriso. “Nossa, deve ter dado muito trabalho manter seu corpo assim. Fica tranquila que qualquer homem que te olhar não te dá mais que 30”. Ele quis ser sensual, mas foi ofensivo. Parecia que todas aquelas mudanças foram feitas para agradar o olhar masculino. Mas não foram. Não podiam ser. O jantar acabou cedo.

 

Levantou-se. No caminho para a saída, parou e se olhou no espelho. Os cabelos acobreados ainda lhe caiam muito bem como cascata pelos ombros. A pele parecia estar ainda mais impecável. Sorriu. A mulher do outro lado do espelho lhe sorriu de volta. Ali estava a única aprovação que precisava. Ela se sentia bem com sua aparência. E é isso que importa. Cada centavo valeu a pena.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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