Arte por Júlia Carvalho
Essa ordem não vem de fora. Parar deixou de ser uma escolha diante de tantos estímulos nos provocando o tempo todo. A hiperatividade é um valor cultivado e mesmo quando não há nada a fazer buscamos a estimulante tela do celular. O tempo do descanso tornou-se tempo perdido fazendo do cansaço uma condição permanente.
https://www.youtube.com/watch?v=j-QKd8INWb4
Colaboraram:
Claudia Roberta de Castro Moreno é professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e vice-presidente da Associação Brasileira do Sono
Elton Rogério Corbanezi é professor de Sociologia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e autor do livro: Saúde Mental, depressão e capitalismo
Dianeli Geller é instrutora de meditação
Leonardo Alves é vestibulando de medicina
Priscila Carvalho é pedagoga, escotista e mãe
Sigmar Malvezzi é professor do Instituto de Psicologia da USP e professor visitante da Universidade de Belgrano (Buenos Aires, Argentina)
Fontes:
Sociedade do Cansaço, livro de Byung-Chul Han
Fotografia: Wender Starlles
Vá lá. Feche os olhos e pense no silêncio. O máximo de silêncio possível. Pronto?
Quais sensações vieram à mente? Tranquilidade, medo, desconforto?
Uma das principais sensações associadas ao silêncio é o relaxamento. Dentre várias opções para lidar com estresses, a busca por quietude é quase inconsciente e se manifesta de diferentes formas – como um simples fechar de portas, o colocar de fones de ouvido e até viagens pela natureza, retiros e exercícios de meditação.
Na própria meditação, o silêncio é elemento fundamental. Não o exterior, como estamos acostumados a pensar. Sim, um ambiente silencioso ajuda. Mas importante mesmo é o silêncio interior, diz André Fukunaga, professor de meditação. Segundo ele, o silêncio da mente é essencial para usufruir dos benefícios da atividade (entre eles tranquilidade, foco e autoconhecimento).
A praticante de meditação Stella Garcia conta que silêncio foi fator ativo para o melhor entendimento de suas emoções. Mas o processo não foi exatamente silencioso: ao atingir o silêncio, os próprios pensamentos foram amplificados. “O mais difícil foi ouvir tudo o que penso e ver como somos barulhentos”, relata.
A bancária Carolina Beolchi teve uma experiência similar em sua viagem pela Floresta Amazônica. Por 15 dias, ela se isolou na selva, sem celular nem energia. “O que eu imaginava ser silencioso, se mostrou mais barulhento do que uma metrópole”, afirma. Sem distrações, tudo era ouvido com mais intensidade.
Mas a busca por quietude pode também ser assustadora. “O silêncio pode te colocar em contato com coisas que você talvez nem queira”, revela Carolina. Ao mesmo tempo que nos conhecemos, podemos enfrentar traumas, angústias e sentimentos indesejados.
E então chegamos a face oposta ao relaxamento. O silêncio pode carregar uma aura do desconhecido, do estranho. Seu uso no cinema é um ótimo exemplo. O que precede o susto em um filme de terror? Todos nós já ficamos aflitos com cenas em que só é possível ouvir passos, a porta se abrindo ou janelas batendo. Ou quando alguém anda por uma rua deserta – o que é angustiante mesmo na vida real. É a ausência de sons que ajuda a criar a atmosfera de tensão.
Mas não é apenas sobre medo. A principal sensação dessa face é o incômodo. Nossos ouvidos são naturalmente adaptados a procurar sons e a falta deles causa uma ruptura. É como um personagem no cinema que dá um grito sem voz. Ou uma explosão sem barulho. Causa estranheza.
Talvez não seja tão ruim não poder viver em silêncio absoluto…
Colaboraram: Nathália Janovik, psiquiatra, Marco Dutra, cineasta, e Eduardo Santos Mendes, professor do curso de audiovisual da ECA-USP.
São cinco e meia da tarde de uma quarta-feira cinzenta. Saio do metrô, tem muita gente voltando para casa. O ritmo da cidade nas buzinas e nos semáforos contrasta com a fachada sóbria do templo Busshinji, na rua São Joaquim, na zona central da cidade.
Entro, sento em uma cadeira na área externa do templo. Aos poucos, outras pessoas chegam. Às seis em ponto, desce um dos praticantes, que será nosso instrutor. Ele faz uma reverência, com as mãos em gassho, palma com palma, como quem faz uma prece. Na sua voz plácida, explica que a prática durará até as oito, quem tiver compromisso nesse período não deve participar.
Pelas escadas, somos 20 pessoas conduzidas à parte superior. Tiramos os sapatos, calçamos chinelos, entramos na área onde acontecem as meditações.
A luz baixa, as vozes sempre sussuradas, os passos curtos, os pés próximos, o cheiro leve de incenso. É como se no meio do frenesi paulistano houvesse uma ilha calma em que a paz te deixa entrar e depois fecha as portas.
Sentamos no zafu, uma almofada arredondada, as pernas estão dobradas, as mãos em posição de mudra cósmico, mão esquerda sobre a direita, os polegares se tocando. Entre as mãos, uma elipse simboliza o formato do universo. “Eu estou no cosmos, o cosmos está em mim”, explica a mesma voz plácida. A coluna ereta, os ombros alinhados, estamos em posição de Zazen.
O praticante nos orienta a respirar. “Inspire devagar. Sinta o ar preenchendo o peito. Expire, deixe sair tudo. Respire conscientemente. Pensamentos virão à sua cabeça. Não se apegue a nenhum, sejam eles bons ou ruins. Contemple-os. Do mesmo modo que os pensamentos entraram, eles vão sair. Contemple-os e deixe-os passar”.
É difícil conseguir esse estado de concentração. O tempo inteiro pensando nas escolhas que fiz, naquelas que podia ter feito, nas que farei para conquistar o que quero. Em vez de meditar o silêncio, medito sobre as coisas da minha vida. “Contemple os pensamentos e deixe-os passar”.
Se não consigo controlar, será que domino meus pensamentos ou são eles que me dominam?
Minhas costas doem, minhas pernas estão dormentes até a lombar. Preciso vencer essa dor. A mente é uma casa com muitos habitantes. Preciso conhecê-los todos, sejam eles a dor, a alegria, a angústia, a tristeza. Nenhum desses moradores pode se tornar o dono da casa, são viajantes pousados em uma estalagem. Que convivam sempre bem, e que façam boa viagem.
Todas as percepções da mente são transitórias, portanto, todas elas são ilusões. O budismo chama o mundo de samsara: um universo de ilusões que nos enreda em meio a tantas causas e consequências. Preciso perceber a ilusão como ilusão, a mente precisa parar de mentar para perceber o que permanece quando retiramos as camadas de poluição.
A respiração dos ansiosos é ofegante, dos apaixonados, dilatada. Minha respiração segue calma. As pontas dos dedos, que se tocavam com força, agora fazem uma pressão leve, como se segurassem um papel de seda sem o amassar. Meu olhar semicerrado, mirando a parede, já quase não vê, as pernas não doem.
Quanto tempo se passou depois disso não sei. Um tempo breve, com certeza. A gente só percebe que parou de pensar quando volta a pensar de novo.
Seria um erro dizer que o Zazen é um relaxamento. Relaxar é ficar disperso nos nossos pensamentos e sensações, entregue aos caminhos da mente. Sentar em Zazen é o contrário disso: é contemplar esses pensamentos, saber que eles passam, deixá-los passar. Então, com a mente quieta, viver o presente, sem causas nem consequências. Viver sem ser vivido.
Alguns templos e centros de meditação que você pode conhecer em São Paulo:
Centro de Estudos Budistas Bodisatva: rua Maestro Cardim, 1024.
Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi: rua Artur de Azevedo, 1360. Pinheiros.
Comunidade Zen Budista, Templo Taikozan Tenzui Zenji: rua Desembargador Paulo Passaláqua, 134 – Pacaembu.
Templo Busshinji: R. São Joaquim, 285 – Liberdade.
Neste podcast, os nossos repórteres conversaram com adeptos da yoga e meditação para entender como suas práticas alteram a percepção de tempo.
Em um final de tarde de quinta-feira, tendo voltado do estágio e sem nenhum plano para noite, decidi que tentaria meditar para abrir meus chakras. Sem nenhuma noção sobre o assunto, mas com vontade de aprender, comecei minha pesquisa pelo único lugar por onde sabia começar: o Google. Logo de cara percebi que as opções que haviam na internet são quase que infinitas. Métodos diferentes de meditação, mantras, vídeos, posições de yoga, uma série de ferramentas disponíveis de forma ilimitada para qualquer um com um computador por perto. É um pouco intimidador a princípio. E é difícil escolher o que funciona melhor quando não se tem experiência nenhuma. Sem ter muita noção do que estava fazendo, achei que deveria começar pelo básico: meditação.
Parti para os exercícios. Comecei por um vídeo de meditação guiada que achei no Youtube, de 44 minutos. Se eu ia fazer isso, ia fazer direito. Decidi que deveria tentar uma imersão total. Fechei a janela, me tranquei no meu quarto. Acendi um incenso de lavanda que encontrei guardado no armário e só pela emoção, também tirei da gaveta meu quartzo rosa em formato de coração para ajudar com a energização. Li em algum lugar que cristais ativam os centros de energia e equilibram o campo magnético do corpo. Se isso não funcionasse, não sei o que iria. Sentei-me no chão, arrumei minha postura, cruzei as pernas e alinhei minha coluna. Não tinha ninguém em casa, tudo estava em completo silêncio. Respirei fundo e dei play no vídeo. Uma voz feminina um pouco inquietante logo começou a sussurrar em meus ouvidos, exercício de ativação e alinhamento dos chakras, coloque-se confortavelmente sentado… Eu procurei me concentrar, mas acabou que encontrar uma postura certa foi mais difícil do que eu imaginava. Cinco minutos de vídeo e surgiu minha primeira dificuldade. A cãibra. Descruzei as pernas algumas vezes, tentei me esticar. Não teve jeito. Precisei me levantar e sentar na minha cama.
Recomecei. Tudo bem, estava tudo certo. Já tinha superado a estranheza inicial de uma voz me guiando, estava confortável na minha posição. Sentia meu corpo se aquecer, uma sensação gostosa enquanto me concentrava na voz da mulher. Tudo ia melhor do que eu previa. Imagine agora o ar mudando para a cor laranja, e a cada inspiração ele entrando por suas narinas como uma névoa... Eu tento me concentrar na minha respiração. Inspiro e expiro lentamente, enquanto procuro visualizar a energia laranja saindo de mim. Tento fazer a mesma coisa com os chakras seguintes (o que consigo com mais ou menos sucesso). E tudo parecia certo, até que percebo que estou divagando cada vez mais. Aquilo estava demorando demais. 44 minutos do dia fazendo isso? O que eu tinha na cabeça? Não tinha esse tempo todo para gastar. Se esse vídeo não terminasse logo ia me atrasar, tinha que comprar o presente de aniversário da minha amiga, tinha que arrumar minhas malas porque ia passar o fim de semana na praia. Não tinha tempo para isso.
Dei uma espiada no vídeo. Faltavam 20 minutos. Droga. Não, tudo bem. Concentre-se. Inspire a luz verde, sinta a sensação de calma invadir seu peito... Continuei, distrair-se era normal, li em diversos sites diferentes. Apenas deixe que o pensamento passe, sem julgá-lo. Isso funcionou por um tempo. De repente, ouço um barulho vindo da sala. Percebo imediatamente do que se trata. Minha mãe chegou mais cedo em casa hoje. Sabia que isso ia acontecer. Ela me chama, e eu tento ignorar. Concentre-se, concentre-se. Ela grita alguma coisa e eu grito de volta, Tá mãe, depois eu vejo isso! Ligeiramente irritada, volto a fechar os olhos e tento me focar de novo. Agora só faltam dois chakras. Leve sua atenção ao chakra do terceiro olho, inspire o ar e o visualize na cor azul-escuro índigo... Finalmente cheguei ao chakra frontal. Desde o começo, era o chakra que eu mais tinha curiosidade em abrir. Imagino uma cor forte azul-escura ainda mais saturada, da mesma cor de uma noite escura. Não tenho muita certeza se a cor que imagino é índigo, mas acho que não importa. Sinto-me invadida por uma luz forte, e por alguns breves instantes é quase como se eu realmente tivesse alcançado um estado para além do nível básico de consciência. É difícil de explicar, mas essa sensação dura apenas alguns segundos.
Essa energia estimula uma vibração que se espalha em círculos, de uma forma sutil… A música é suave a voz da moça é tranquilizante. Se eu estivesse deitada, com certeza já estaria dormindo. O silêncio é cada vez maior, seus pensamentos são claros, nítidos... Então, de repente e sem aviso prévio, a música para. Lentamente vá voltando sua atenção novamente para seu corpo… Abro os olhos com certa surpresa. Talvez até um pouco decepcionada. Os 44 minutos terminaram. Com as palmas das mãos juntas em frente ao coração, agradeço pela experiência. Não me sinto transformada, mas me sinto bem.
Por Isabelle Almeida
Inspira, expira. O ar entra pelas narinas e infla não o peito, mas o diafragma. Depois de uma breve exploração, faz seu caminho de volta, sai por onde veio em um ciclo infinito. A coluna está alinhada, a almofada jogada no chão, as pernas cruzadas uma sobre a outra e as mãos encontram os joelhos. O que de fato importa é o conforto, serão alguns minutos nessa posição e nada físico deve incomodar, já bastarão os pensamentos de uma semana agitada.
Inspira e expira pra longe os problemas, só pra ver eles voltarem insistentes. Os planos para o final de semana foram cancelados, o sábado será em casa com somente a companhia da TV. O silêncio é perturbador, mas por sorte o fluxo de raciocínio faz barulho. Basta se concentrar única e exclusivamente na respiração para identificar o farfalhar da consciência não deixando nada parado dentro da mente. A falta de conhecimento diz por aí que é necessário esvaziar a cabeça. Que inocência, de cabeça vazia não é possível passar pelas fases do ciclo cognitivo da meditação de atenção focada.
Inspirando o ar que traz não só o oxigênio, mas também o forte cheiro cítrico dos limões na fruteira da cozinha. Talvez seja bom reviver a receita da avó e usar o sábado para recriar aquela torta. Inicialmente, a divagação ativa a região do cérebro responsável por desenvolver a compreensão de comportamentos e da vida, do chamado modelo interno de mundo. Indo a fundo na exploração de memórias de longo prazo, este modelo é atualizado, reavaliando identidades e pontos de vista. Definitivamente, aquela torta de limão e suspiros não é uma receita, é uma obra prima culinária.
Inspira, espera, onde eu estava? Longe. A consciência da distração me leva à segunda fase do ciclo, como previsto. Não é a hora de pensar em tortas de limão! No cérebro, a rede de saliência é a que se destaca nesse momento. É ela que torna possível o reconhecimento de novos eventos e que renova as ocupações dos grupos de neurônios, garantindo a alternância de atividades entre eles. É preciso atenção plena, sem suspiros, sem limões.
Inspirar, expirar e agora, no terceiro estágio, reorientar a atenção ao foco da respiração. É assim que se ativa e fortalece as áreas adicionais que resgatam a concentração. Com a prática, essa retomada a um pensamento âncora fica cada vez mais ágil e a distração passa a ser contornada com mais facilidade. Fica mais simples explorar os cantos da mente e recuperar, rapidamente, o foco de um raciocínio.
Inspirar e expirar voltam a ser as principais preocupações na reta final. Naquele instante o mundo se resume a isso, inspirar e expirar. No cérebro, o córtex pré-frontal dorsolateral se mantém ativo na sua função executiva: manutenção e regulação de emoções.
Inspira, expira e acaba o dia. A semana difícil passou, os dois dias de folga mal começaram. O sábado vai ser em casa mesmo. O apartamento é pequeno, mas quando se pode explorar o universo inteiro dentro da própria mente é possível viajar quilômetros sem nem ter que abrir a porta.