Quando pensamos na influência que a moda exerce na sociedade, logo nos vem à mente as grandes marcas de luxo – Chanel, Dior, Prada… Através de desfiles e ações publicitárias com celebridades e influenciadores, a alta costura lança tendências para toda a indústria da moda. Indústria esta que também recebe sua própria dose de influência da sociedade, que demanda posicionamento e responsabilidade.
Mas, seu alto custo não permite que as marcas de luxo sejam acessíveis para todos. Com isso, o público geral acaba recorrendo a peças inspiradas, réplicas e até cópias. Algumas marcas não aceitam ver seus detalhes característicos em outras peças, então, podem recorrer ao direito da moda. Em alguns casos, é possível até mesmo patentear a criação e garantir, perante a justiça, que ela não seja apropriada por mais ninguém. Exercer uma grande influência tem lá os seus custos…
Cultura estrangeira por todo lado
 
Por Daniel Terra e Marcelo Canquerino
 
Basta ligar o rádio ou abrir o catálogo da Netflix para você enxergar a grande quantidade de produções culturais dos mais diversos países. Músicas como Sour Candy, parceria entre Lady Gaga, cantora americana e BLACKPINK, grupo sul-coreano, e séries como Dark, da Alemanha, e Elite, da Espanha, são alguns exemplos.
Pensar na forma como a cultura estrangeira adentra no Brasil é falar sobre como são estabelecidas relações entre as nações. Essa influência ocorre de modo sutil, a partir de inserções culturais externas capazes de formar projeções de outros países no imaginário popular. Uma moeda de dominação definida como soft power.
A era dos streamings e os mecanismos de influênciado soft power
“A principal arma do soft power atualmente é a tecnologia computacional, ou seja, o mundo integrado a partir da internet e das redes sociais”, explica Wagner Pereira, professor de história da UFRJ e do programa de pós graduação em psicologia social da USP. Acesso a filmes, séries e músicas através dos streamings é cada vez mais comum no mundo e, a partir destas plataformas, a disseminação cultural tornou-se uma das maiores da história.
A mídia também é outro fator importante. Por meio dela a população conhece as produções culturais de massa. Antônio Xavier, doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP, explica que os meios de comunicação são veículos não só de disseminação de cultura, mas também de esquecimento. “A partir do momento que tomamos a mídia como ponto de partida para conhecer culturas, tudo que não está veiculado/midiatizado passa por um apagamento.”
No nosso dia a dia, esse poder fica até mais claro em algumas situações, como a influência de uma crítica na hora de escolher o que ver no cinema ou em casa. Neste caso, o poder de sedução do soft power também está atrelado a psicologia. Quando muitas pessoas estão consumindo um produto, a música ou série do momento, aquele que “está de fora”, vai buscar consumi-lo. Isso é instintivo do ser humano, segundo Wagner.
O resultado da influência
Atualmente, é possível falar de certo hibridismo cultural, uma junção entre elementos estrangeiros e brasileiros. A forma como consumimos, por exemplo, foi sendo assimilada a partir de um modelo dos Estados Unidos. Ao longo do tempo comer fast foods e comprar na tão esperada black friday se tornou muito comum na vida do brasileiro.
A influência cultural dos Estados Unidos se mantém como uma das mais fortes, não só no Brasil como no mundo, em função de ocorrências histórias, segundo Virgílio Arraes, professor no Departamento de História da UnB. Desde a 2ª Guerra o soft power está presente em sua política revelando seu aspecto não apenas ideológico, mas econômico. A política de boa vizinhança, implantada à partir de 1933, levou nossa imagem para a América do Norte, e trouxe a imagem dos estadunidenses para o Brasil através de ferramentas como filmes.
No clássico média metragem de Walt Disney “Você já foi à Bahia?”, Pato Donald vem conhecer a Bahia e conhece Zé Carioca, que representa o Brasil, e o Galo Panchito, representando o México.
A construção dessa visão dos EUA perdura até os dias atuais. A influência que o Brasil sofre vai desde o consumo dos diversos produtos culturais, até a imagem “perfeita” que os brasileiros têm com os estrangeiros, refletindo no que assistimos, ouvimos e comemos.
Colaboraram:
Ernesto Magalhães: Gerente de comunicação no Consulado Britânico do RJ.
Luana Caroline Kunast Polon: Mestre e Licenciada em Geografia (UNIOESTE); Professora Formadora na UNIPAMPA.
Paulo Henrique Heitor Polon: Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras (UNIOESTE) e Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais (UEL); Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
João Reino: Vice-Cônsul do Brasil nos EUA.
Thaís Matos: Jornalista Cultural do Portal G1
Eduardo Filho: Jornalista Cultural da Revista Veja
Isso não é um publipost (mas é um texto sobre publis)
 
Por Eduardo Passos e Lígia de Castro
 
Você passa pelo feed do Instagram e, no fundo da foto de um famoso, está lá o logo de um produto. No Youtube, você se depara com 15 segundos de anúncio (coincidentemente sobre o mesmo assunto comentado pelo youtuber do vídeo). No Facebook, um ídolo oferece um curso pago.
A publicidade em si não é recente, mas o fenômeno de aplicá-la às redes sociais, pelos chamados influencers, é sim. Mas quais regras de fato guiam as publicações e a relação entre influenciadores e marcas? E onde o espectador entra nisso?
Os influencers
Os influencers podem ser encaixados em 4 categorias: megainfluenciador (mais de 1 milhão de seguidores), macroinfluenciador (de 500 mil a 1 milhão), intermediário (de 100 mil a 500 mil) e microinfluenciador (de 10 mil a 100 mil seguidores). Essa definição é dada pela agência “influency.me”, especializada em marketing de influência, e é seguida por várias das figuras que têm ganhado espaço nas redes.
Uma delas é Marla Honorato. Seu feed do instagram está repleto de fotos e vídeos em que ela apresenta dicas e produtos de beleza para os seus 98,6 mil seguidores. A capixaba ainda é considerada microinfluenciadora, mas tem crescido tanto nos últimos dois anos que, em breve, já se encaixará no perfil de “intermediário”.
Ela trabalha sobretudo com um nicho: os cuidados com o cabelo. Esse é um ramo que lhe permite apresentar várias marcas diferentes, tornando seu feed um potencial para publiposts.
As agências
O crescente interesse das marcas por influenciadores gerou até um mercado próprio, no qual agências intermediam a publicidade online. Felipe Oliva, cofundador da paulistana Squid — criada em 2014 e pioneira desse serviço no Brasil — explica que a ponte é feita tanto por análise de dados quanto pela avaliação do conteúdo.
“Nossos algoritmos identificam os perfis que possuem as métricas e o target que trarão resultados para o cliente. E então entra nosso time de especialistas em influenciadores”, explica, enfatizando que os técnicos analisam dados de comportamento online para escolher influenciadores certos a anunciantes, que vão de bancos a companhias aéreas e eventos esportivos.
Ainda de acordo com Oliva, o Instagram é a rede onde mais se usa a influência para vender, enquanto no YouTube, por exemplo, “o criador de conteúdo adiciona a publicidade ao tema que se relaciona.”
Os Direitos do Espectador
A publicidade inserida nas redes sociais é tão corriqueira que os espectadores acabam se deparando com ela sem ter a intenção. Por ser um fenômeno recente, eles muitas vezes não sabem quais os seus direitos e como se proteger de eventuais abusos.
Lucas Lehfeld é advogado especializado em Direito do Consumidor. Ele explica que a publicidade sempre deve ser clara, de imediata identificação pelo usuário, cabendo ao fornecedor, por exemplo, “a manutenção de dados fáticos, técnicos e científicos que sustentam a mensagem passada pela peça publicitária”.
Fontes
Marla Honorato, influenciadora digital
Lucas Lehfeld, coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Barão de Mauá, e advogado especializado em Direito do Consumidor
Felipe Oliva, cofundador da agência Squid (especializada em marketing de influência)
Nosso poder de influenciar
 
Por Caio Santana e Gabriel Araújo
 
A palavra “influência”, que qualquer velho e bom dicionário define como o “poder exercido sobre pessoas e coisas”, ganhou uma nova conotação no mundo da internet e das redes sociais. Na verdade, se transformou, ela própria, em um novo termo cheio de estrangeirismo – “influencer”. No planeta Terra do ano 2020, praticamente toda menção à influência vem acompanhada de algum pensamento relacionado às celebridades virtuais.
Mas o que o claro! Influência prova é que, apesar da nova conotação adquirida pelo ato de influir, ele sempre esteve presente por todo o caminho da humanidade, com maior ou menor grau. Se hoje o youtuber gritando “fala galerinha” é a figura máxima da influência, outras épocas deixaram outras marcas – sempre, porém, com muita influência.
Ou alguém acredita que a figura dos “líderes de opinião” da primordial democracia ateniense não tem seus reflexos em nossa política democrática atual? Que as novelas da década de 1950 não ajudaram a moldar uma sociedade, que o “espírito do tempo” não ajudou a definir cada um de nossos líderes, que a escolha de nossas profissões não passou pelo crivo da… influência? Esta edição demonstra que sim, tudo isso aconteceu e continua acontecendo.
A influência é um ziguezague de respostas, uma metamorfose ambulante que sempre esteve arraigada à sociedade. Seja pelas roupas que os filmes te fazem usar, pelo investimento que o corretor te indica a fazer, por cada vídeo iniciado por “fala galerinha” que simplesmente te diverte, ou por cada ação lamentável que te fez cancelar um “influencer”, a mais recente marca desse poder na sociedade.
O claro! Influência nasce da proposta de se compreender os rumos tomados pela influência na era digital, em que arrobas, curtidas e comentários são de uma importância enorme; passa pelo entendimento histórico e psicológico do ato de influir; caminha pelos mais diversos campos, da política ao esporte; e para na sua tela – te influenciando, por que não?
Não é nossa pretensão explicar cada contexto e cada momento em que o “poder exercido sobre pessoas e coisas” se fez presente, mas sim deixar claro que ele sempre esteve e continua por ali, por aqui. Curiosamente, fazendo com que aquele velho e bom dicionário, por exemplo, definisse a “cultura do cancelamento”, um dos filhos da influência digital dos nossos tempos, como a expressão do ano de 2019.
Deixe, portanto, que o claro! te influencie a conhecer mais de perto esse enorme poder. Mas por favor, não nos cancele.
Fim do fator casa?
 
Por Amanda Capuano e André Netto
 
O Campeonato Alemão, a Bundesliga, foi a primeira grande liga europeia a retomar suas atividades após a paralisação por conta da pandemia da Covid-19, mas voltou sem torcida, para evitar contaminações. A retomada sob esse novo modelo, que teve início em 16 de maio, trouxe resultados surpreendentes até aqui, números que nos fazem questionar qual o peso das torcidas e como os fãs influenciam nos resultados das partidas.
Com mais de 40 mil espectadores por partida e uma taxa de ocupação de mais de 90%, o Campeonato Alemão tem uma das melhores médias de público do mundo. Em um país onde os clubes estão acostumados a jogar com estádios cheios, a volta do futebol sem torcida pode ter um peso ainda maior. A exemplo disso, o estádio do Borussia Mönchengladbach exibe uma faixa em que se afirma que “futebol sem fãs não é nada”. Para Gerd Wenzel, comentarista da ESPN, com a ausência dos torcedores, a vantagem do mando de casa, na prática, deixou de existir. “Sem torcida, qualquer estádio se transforma num campo neutro”, opina.
Isso se confirma quando olhamos para as estatísticas. O número de vitórias dos mandantes caiu pela metade, enquanto os visitantes passaram a ter um sucesso muito maior quando analisamos os dados das quatro primeiras rodadas pós-pandemia.
Sem os gritos de incentivo das arquibancadas, o favoritismo de jogar em casa se perdeu. Levando em conta os jogos em que os mandantes eram favoritos a vencer nos sites de apostas, nota-se uma queda expressiva na porcentagem de vitórias e aumento na porcentagem de derrotas. A capacidade do time da casa de surpreender equipes mais fortes também aparenta ter ido pelo ralo. Sem torcida, os mandantes não venceram nenhum jogo em que eram favoritos, e perderam 18 de 23 partidas.
A julgar pelos números, a torcida tem uma influência de peso nos resultados. Segundo Luis Fernando Zamuner, professor de Educação Física no ensino básico da rede estadual de São Paulo e especialista em Ciências do Esporte pela Universidade Gama Filho, tamanho impacto pode ser explicado por um fator motivacional. Em sua pesquisa publicada em 2017 na Revista Brasileira de Futsal e Futebol (RBFF), Zamuner analisou um grupo de jogadores da Ponte Preta, time do interior Paulista, e constatou que 70% dos participantes consideram uma torcida numerosa como um incentivo a quem está em campo.
Tal situação é ainda mais visível quando os times entregam desempenhos extremos – seja para o bem, em meio a uma fase vitoriosa, ou na ponta oposta, quando, por exemplo, lutam contra um rebaixamento. “Nestes casos, a torcida costuma incentivar mais e demonstra mais comprometimento. Isso contribui para que a equipe mantenha-se focada”, analisa o entrevistado.
Há, porém, algumas desvantagens. Apesar da maioria dos jogadores gostar de atuar em clubes com grandes torcidas, tamanha influência pode partir para um lado menos agradável. Se a equipe passa por um momento ruim, a cobrança em clubes tradicionais é maior. Nesse sentido, Zamuner explica que jogadores experientes costumam absorver melhor essa cobrança, enquanto os mais novos são mais afetados por ela.
Já sobre o retorno do futebol sem a presença dos torcedores, o pesquisador pondera que o impacto depende muito da relevância da partida, mas é inevitável que a ausência influencie no rendimento já que, “em qualquer que seja a atividade, é bom ter alguém que aprecie e valorize o seu trabalho.” Assim, segundo ele, para os jogadores, um gol sem torcida não é tão gratificante de se comemorar quanto aqueles marcados diante dos fãs.
Mas futebol sem torcida faz sentido?
A pergunta levantada por torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas têm fundamento. Afinal, o que pudemos observar até aqui é um esporte diferente e sem um fator fundamental. Mas então, por que o futebol voltou? Renato Marques, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que a torcida é apenas uma das fontes de renda dos clubes e do grande negócio que se tornou o futebol.
“O modo de aproximação dos torcedores e consumo do futebol atualmente passa por inúmeras formas de relação das pessoas com este fenômeno, e a presença da torcida nos estádios é uma pequena parcela disso”, afirma Renato. Dessa forma, analisando do ponto de vista comercial, o retorno das atividades está muito mais relacionado a dirigentes, patrocinadores e outros grupos envolvidos no espetáculo.
Além disso, também há uma perspectiva sociológica, que explica inclusive a tentativa de volta precoce do futebol no Brasil em busca da sensação de normalidade frente à pandemia da Covid-19.
Mas, enquanto as partidas aconteceremsem torcida nos estádios, o futebol estará bem longe de sua forma natural e normal.
Do voto ao like: influência nas urnas e nas redes
 
Por Crisley Santana e Guilherme Roque
 
Os debates e panfletos vistos em tempos de eleição são pequenos detalhes quando trata-se de influência política. Para além desses, há itens que podem explicar como ela se manifesta, apesar de pesquisadores afirmarem não haver fórmula pronta.
Leonardo Barreto, cientista político pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em comportamento eleitoral, ressalta que a influência política está relacionada ao conceito de “espírito do tempo”. As características desejadas pelos eleitores irão depender de um conjunto de circunstâncias da época em questão. Como nas últimas eleições, por exemplo, em que grande parte do eleitorado mirou perfis jovens, que esboçavam renovação e pouca relação com a política.
Esses traços são ressaltados pela comunicação exercida pelos candidatos, outro ponto importante para haver influência, segundo Vinícius Valle, cientista político pela USP e também pesquisador de comportamento eleitoral.
O requisito está relacionado ao conceito de “democracia de público”. Um termo cunhado pelo filósofo Bernard Manin que indica a democracia contemporânea centrada em um líder de massas, com boa oratória e certo carisma. “Ainda que seja um carisma anti-carismático, como é o caso do presidente Jair Bolsonaro”, explica.
Atuação do eleitorado
Mas se por um lado a influência é ditada pela atuação dos políticos, por outro ela vem de características sociais e psicológicas dos eleitores. Leonardo destaca que além das preferências pessoais, a indicação de familiares e figuras de liderança, como dirigentes sindicais e religiosos, são muito consideradas.
Assim como identifica um estudo realizado por Vinicius. Em seu doutorado ele aponta o importante papel desempenhado pela igreja, enquanto setor social, “tanto unindo as pessoas e discutindo interesses políticos do grupo, quanto indicando candidatos”.
Quando a influência dessas figuras vira idolatria por parte do eleitorado, torna-se mais complexo identificar os fatores. Mas os pesquisadores apontam que algumas pistas estão nas condições materiais e estruturais que essas figuras passaram durante a vida, além de escolhas políticas tomadas por elas em determinadas situações.
“Isso depende de uma boa compreensão do espírito do tempo, e de o político ter a sorte de se apresentar como um legítimo representante desse espírito”, comenta Leonardo.
Os líderes nem tão políticos
Recentemente, a cantora Anitta disse que decidiu estudar política após cobranças por posicionamento de seus seguidores. No momento que essa reportagem foi escrita, ela possuía cerca de 47,3 milhões de seguidores em sua conta no Instagram, aproximadamente a mesma quantidade de habitantes da Espanha, segundo dados oficiais do governo espanhol. Essas pessoas acompanham suas publicações, interagem e, claro, são influenciadas por elas.
“Influenciadores” é apenas um nome novo para algo que sempre existiu: os líderes de opinião. Segundo Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa liderança tem uma raíz na Grécia antiga, na democracia ateniense, onde a política tinha uma concepção próxima da doxa (opinião). Aqueles que tinham maior capacidade de eloquência, a “capacidade de encantar” e de influenciar, atraíam mais adeptos à suas opiniões. Entretanto, a cientista política afirma que líderes de opinião, os influencers, e os políticos são duas coisas diferentes e que seguem caminhos distintos: “esses líderes não se cristalizam em governantes, a dinâmica de um influencer e de um político profissional é diferente”.
Camilo Aggio, professor do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, complementa o comentário de Goulart e observa que esses líderes, como, por exemplo o youtuber Felipe Neto, que conta com aproximadamente 12 milhões de seguidores no Instagram (e quase o mesmo número no Twitter), têm grande influência dentro de uma certa comunidade, e suas opiniões são vistas como mediadoras pelos membros desse coletivo.
Anitta e Felipe Neto – além de diversos outros influenciadores – têm papel fundamental no aumento de interesse no debate sobre política entre os membros de suas comunidades. “Em razão da quantidade enorme de cobranças, críticas e pedidos de posicionamento que influenciadores recebem, certas pessoas se envolvem com questões políticas. As pessoas acabam se tornando muito mais multidimensionais”, destaca Aggio.
Fica óbvio que a influência dessas pessoas com milhares ou milhões de seguidores é gigantesca, e que cada post nas redes sociais irá ter diversas consequências nas pessoas que os seguem. É o que aponta Cláucia Faganello, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A visão dela é de que esses indivíduos nutrem um sentimento de pertencimento à essas comunidades dos quais fazem parte e, por isso, cobram de seus líderes posicionamento por assuntos aos quais tem mais afinidade.
Fontes:
Cláucia Faganello, mestre em Sociologia pela UFRGS.
Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Camilo Aggio, professor do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Procuram-se fadas
 
Por Ana Gabriela Zangari Dompieri
 
Eleita expressão do ano de 2019 pelo dicionário de inglês australiano Macquarie, a “cultura do cancelamento” é um fenômeno novo e antigo; segundo o psicólogo Yuri Busin, sempre convivemos com a exclusão em nossas vidas, excluindo ou sendo excluídos. Mas hoje ela atinge um patamar digno do nome “cultura” por si só, o que, segundo a doutora em comunicação Issaaf Karhawi, se deve às redes sociais, com seu alcance e rapidez.
Ela explica que ambientes digitais possuem uma lógica intrinsecamente binária (vide seguir ou não; curtir ou não), que acabamos carregando para a dinâmica social nas redes: fada sensata ou cancelado? Nesses ambientes, há algo inédito: autonomia e poder do público decidir sua rotina midiática e, com isso, quem ocupa e quem não ocupa espaços de visibilidade.
“Nós elegemos pessoas para ocuparem esses cargos, e elas, por outro lado, se passam por nossas íntimas, acessíveis; diferentes das celebridades tradicionais”, diz Issaaf. “Assim, junto com a identificação que temos com esse líder de opinião, imaginamos que ele nos agradará em tudo; sempre”. Se isso não acontece, somos os primeiros a destituir essa pessoa desse cargo, “como se tivéssemos sido traídos”, promovendo o seu linchamento virtual. Algo que demonstra essa dinâmica é cancelamento se aplicar normalmente a pessoas que já foram endeusadas para o público que agora o rechaça.
Daniele Rodrigues, que é gerente de conteúdo da agência de comunicação F.Biz, defende que, apesar de estarmos muito conectados, nos falta um letramento digital. É possível que, com ele, o público compreendesse melhor a sua relação com os influenciadores nas redes: por mais espontânea que pareça, uma relação com uma marca. Segundo Daniele, esta “marca” pode e deve ser cobrada por errar nas pautas que utiliza como elementos de marketing: Anitta com favela e LGBTQIA+; Pugliesi com saúde.
O cancelamento toma corpo com o movimento #MeToo, em 2017, propondo boicote a produções de homens assediadores. E esse poder do consumidor faz todo o sentido. “Mas, hoje, o cancelamento passa a desejar que o cancelado suma do mundo e nisso entra o discurso de ódio: pessoal e gratuito”, diz Daniele. Ela abstrai um punhado de razões que levam ao cancelamento – como desejar fazer parte de um coletivo ou desconhecer o contexto de algo –; dentre elas, apenas uma advém de causas legítimas, que envolvem princípios, segundo ela. Mas, mesmo na categoria das preocupações legítimas, com essa prática no campo binário citado por Issaaf, todos os erros, dos mais pontuais aos mais teimosos, “se igualam nas redes e se punem da mesma forma”, o que, para a doutora, banaliza o próprio cancelamento.
Mesmo quando o punido se desculpa e abraça seu erro, não nos parece suficiente. No caso dos que não ficam com raiva e assumem uma nova base de fãs “anti-mimimi”, apenas o tempo os poderá recolocar em posição de “descancelamento”. Aí está muito da controvérsia do punitivismo colocado por Yuri: “achamos que punir é a melhor forma de proporcionar mudanças reais, quando, na verdade, não acreditamos que o indivíduo punido seja passível de mudança”. Isso resulta num ciclo de violência improdutivo. O máximo que podemos esperar das pessoas é a abertura e o esforço para melhorar, inclusive, segundo o psicólogo, atentando-nos sempre a nós mesmos antes dos outros. Por isso não é justo igualar os influenciadores mais reincidentes e ingratos aos mais arrependidos e solícitos. Na busca por algo ou alguém que seja perfeito, uma fada, é provável que estejamos deixando cair muitas pessoas que estão tentando e seriam aliadas valiosas para aumentar a visibilidade de certas pautas.
Colaboraram: Daniele Cristine Rodrigues, Gerente de Conteúdo da agência de comunicação F.Biz, participante do grupo de pesquisa COM+/USP e professora de pós-graduação em entidades como ESPM e FAAP; Issaaf Karhawi, Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (linha de pesquisa: Comunicação e Ambiências em Redes Digitais), pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Mídias Digitais, o COM+, da ECA-USP e docente na pós-graduação lato sensu “Mídia, Informação e Cultura” do CELACC (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) da USP; Yuri Busin, psicólogo, doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental – Equilíbrio)
Do investidor ao influenciador: o poder da educação financeira
 
Por Beatriz Crivelari e João Pedro Malar
 
No início de maio, os jornais anunciaram a entrada de 400 mil novos investidores na Bolsa de Valores brasileira entre março e abril de 2020. Esse aumento de pessoas físicas interessadas em investimentos e finanças é acompanhado de um crescimento recente de conteúdo destinado à educação financeira, que exerce uma influência na forma como lidamos com o dinheiro.
Apesar de novo, sua ascensão está ligada com a maturidade do sistema financeiro brasileiro. As décadas de 80 e 90 foram marcadas por uma crise econômica, com hiperinflação, em que era comum as pessoas fazerem filas em supermercados pois sabiam que os preços iriam mudar de um dia para o outro. No geral não havia uma grande preocupação com investimentos, voltados para imóveis e renda fixa por terem uma garantia de retorno e serem mais simples.
Para Rodolfo Amstalden, co-fundador da Empiricus, empresa especializada em produzir conteúdo financeiro, esse cenário muda ainda na primeira metade dos anos 1990, com a implementação do Plano Real e a estabilização da moeda, ajudando o Brasil a atravessar a crise econômica e superar a hiperinflação. “O cenário para o investidor mudou drasticamente, já que agora há várias opções de investimento”, afirma Rodolfo Amstalden, co-fundador da Empiricus, empresa especializada em produzir conteúdo financeiro.
Durante o governo Lula, o crédito aumentou expressivamente, até mesmo após a crise de 2008. Com a desaceleração do PIB e a recessão de 2015, porém, a taxa de desemprego cresceu. Neste contexto de dificuldades financeiras, o crédito também passou por uma diminuição, deixando a população com ainda mais dívidas e sem saber como resolver esse problema. É dessa maneira que a busca por informações aumenta, já que muitas pessoas passaram a buscar alternativas para superar a crise.
A partir de 2016 há uma diminuição gradual da Taxa Selic, de 14,25% para 3% atualmente. Como ela influencia os juros no Brasil, os investimentos de renda fixa passaram a dar menos retorno financeiro, ficando próximos ao rendimento anual da poupança (2,1%). Isso incentivou uma complementação com investimentos de renda variável, no mercado financeiro. Surgem também as chamadas fintechs, empresas de tecnologia voltadas para a área de finanças.
Jenifer Corrêa, jornalista com experiência no mercado financeiro, explica que essas empresas, em sua maioria bancos, passaram a informar seus clientes, de classe média ou média-baixa, sobre o mercado financeiro. Isso os incentivou a investir, algo que geralmente era feito apenas por clientes de classe alta de bancos tradicionais.
Em meio a esse cenário, de democratização dos investimentos no mercado financeiro e alto endividamento, a educação financeira ganha força. Ao saber conceitos básicos de economia as pessoas “ganham mais agilidade e independência na vida financeira”, resume Jenifer.
Apesar do propósito positivo, a educação financeira pode ser danosa. É preciso ter cuidado com quem traz a ideia de “ações milagrosas” para ganhar dinheiro de forma rápida e fácil. Outro ponto delicado é a criação de “efeitos manada”, estimulando o desejo do público de entrar no mercado financeiro para acompanhar tendências de crescimento e ganhar dinheiro, mas com pouco conhecimento sobre investimentos.
Jenifer destaca que é importante pensar com quem o educador financeiro está falando: não faz sentido, por exemplo, aconselhar que uma pessoa mais pobre, sem renda ou emprego fixo, economize parte da sua renda mensal. Foi a partir desse pensamento que surgiram canais voltados para públicos específicos.
É o caso de Carol Sandler que, em 2012, fundou o Finanças Femininas, plataforma de educação financeira para mulheres. “Eu via que conteúdo na internet para mulheres era casamento, beleza e maternidade. E pensei que deveriam ter conteúdos que fossem além. Agora, os assuntos mais procurados entre mulheres são desenvolvimento pessoal, carreira e finanças”. Ela destaca que para ter o recorte do feminino é necessário olhar para o contexto do público, levando em conta a história de independência financeira das mulheres.
Nesse sentido, o crescimento de investidores registrado deve-se a uma queda dos juros e ao crescimento da Bolsa de Valores e de fintechs, que incentivam o investimento em ações. Sozinho, esse processo não é necessariamente negativo, mas a educação financeira ganha importância pois, se feita de forma incompleta ou manipulada por criadores, pode levar o investidor a decisões erradas, perdendo dinheiro. Pensando nos riscos, Rodolfo faz um alerta: “Esses investidores, por não estarem condicionados, podem ter traumas, decepções e depois não voltarem mais para a Bolsa, o que seria oneroso para elas a longo prazo”.
Colaborou também:
Mauro Rodrigues, professor da FEA-USP
Em todo canto e todo dia, amor de fã é coisa séria
 
Por Giovanna Stael e Mariah Lollato
 
Canecas, camisetas, acessórios. Já imaginou produtos tão simplórios renderem a um país quase 3,6 bilhões de dólares ao ano? A mágica é simples: todos esses artigos carregam a identidade dos garotos do BTS, grupo mais famoso do K-Pop, estilo musical sul coreano. Em 2018, os artistas chegaram a ser considerados um ativo econômico para a Coreia. Por trás de coreografias e cabelos coloridos, existe um poder real: até onde vai a influência de um artista?
Por aqui, a facilidade em tocar multidões faz parte da história da dupla Sandy e Júnior, que marcou gerações com sucessos infanto-juvenis. Em 2019, o duo voltou aos palcos para uma turnê que faturou R$ 120 milhões — e atraiu mais de 500 mil fãs. Paulo Silva, de Monteiro na Paraíba, a 298 km de João Pessoa, é um deles. Ele assistiu à apresentação em Recife: “Foi falta de voz e choro o tempo todo. No fim do show, dei uma acalmada e consegui cantar uma música. Fiquei em êxtase”, contou.
Seja de um artista nacional ou de alguém que canta em uma língua completamente diferente, os fãs estão espalhados pelo Brasil. Dentre eles está Isabelle, apaixonada pelo BTS. A jovem segue cada passo de seus ídolos nas redes sociais. Acompanha, na proximidade das telas, o cotidiano quase inatingível das estrelas. Em tempo real, se sente mais amiga a cada atualização. Tamires da Fonseca, mãe de Isabele, comenta que quanto mais a filha se aproxima da banda na internet, mais ela se sente envolvida também.
Depois de anos empurrando móveis da sala para ensinar as coreografias à família, a jovem os convenceu a dirigir do Rio de Janeiro a São Paulo para um show da banda, quando ela finalmente veio ao Brasil. Para Tamires, os sacrifícios valem a pena pois não dizem respeito ao ídolo, e sim ao fã. “Não é sobre eles, é sobre ela. Enquanto eu puder realizar seus sonhos, vou fazer até o último sacrifício para lhe arrancar um sorriso.” A mãe conta que Isabele é uma pessoa mais fechada, e apenas as canções do grupo conseguem tocá-la de forma tão intensa. Thiago Santos, antropólogo que pesquisa k-pop e suas relações, afirma que este tipo de conexão com a música acontece com muita frequência entre quem se considera fã.
Esse poder de influência dos artistas alcança espaços cada vez maiores. Além do afeto, pode ser observado também na forma como monetizam sua imagem. “Eles se transformam em um produto. Dão seu nome e seu estilo para determinados itens: de moda, cosméticos, aparelhos eletrônicos, acessórios e até perfumaria”, diz Rainer Leal, jornalista que estudou a relação entre estrelas e fãs nas redes sociais. Apesar disso, a influência é medida para além dos cifrões.
Quem nunca agradeceu a existência de um artista ao escutar uma música que parece abraçar num momento difícil? Ou sentiu o gosto inconfundível de infância, ao ouvir um álbum especial? Paulo sabe bem o que é isso. O pedagogo já tinha 32 anos quando assistiu ao primeiro show dos artistas, mas é fã de Sandy e Junior desde os seis. Foram as canções que o ajudaram a superar a distância da mãe, quando ela teve que se mudar e ele precisou morar com a tia aos 13. Ao ouvi-las, ele se sentia mais calmo e apto a lidar com experiências ruins.
Histórias como essa fazem crer que canções podem assumir o mesmo grau de importância na vida de um fã que teriam seus amigos ou familiares mais próximos. Para quem olha de fora, tanta proximidade pode parecer estranha, mas a antropologia explica que ela é possível. “Se aceitamos que existem outras formas de experimentar o mundo, em que obras de arte podem nos tocar como pessoas, somos capazes de entender o modo específico como alguns indivíduos são impactados por elas e pelos artistas que as produzem”, afirma Thiago.
Avenida (parte do) Brasil
 
Por Laura Scofield
 
No final de 2012, em um clube na capital carioca, um casal celebrava seu amor. A poucos dias do final da trama que mobilizou o país, o tema não poderia ser outro: a novela Avenida Brasil.
Os convidados foram instruídos a irem fantasiados. Cada um deveria escolher aquele personagem com quem mais se identificava. As telenovelas, que na América Latina reuniram traços da cultura melodramática e oral do povo às novas tecnologias da televisão, têm o poder de mobilizar multidões. Surgiram inspiradas nos folhetins franceses do Séc. XIX, mas muito mudaram ao atravessar o mar e conquistar o horário nobre.
“A novela começou já no primeiro ano da TV no Brasil. Era como um teatro ao vivo, já que as técnicas de gravação ainda não eram tão sofisticadas”, dizia aos convidados uma das recepcionistas da festa, Maria Cristina¹, fã e estudiosa das novelas. Ela se referia ao ano de 1951, quando a primeira novela brasileira, “Sua Vida Me Pertence” foi exibida pela TV Tupi.
O ambiente largo era dividido em cômodos. Alguns mais luxuosos, como as casas da elite carioca, e outros mais simples, representando a realidade dos subúrbios e periferias. Diziam por ali que a decoração era original, comprada direto da Central de Atendimento ao Telespectador. Mas nem tudo veio da Globo: com o sucesso da produção, os camelôs também produziam réplicas das jóias mais famosas. “A cenografia é importante, o cenário chega a ser um personagem”, diria Maria Cristina mais tarde, depois de agradecer uma a uma, desperdiçando segundos, as marcas presentes.
Mulheres e homens magros, altos e brancos pareciam se divertir. Casais heterossexuais trocavam carícias como se não fossem vistos por ninguém – não existiam crianças na sala. Algumas brigas terminavam em copos e líquido arremessados. Algumas mortes estranhas? Na festa não, mas na novela… Mas tudo passava rápido e, num piscar de olhos, outros casais se formavam. Sempre entre homens e mulheres, é claro.
Dois anos depois, se a mesma festa fosse feita, algo poderia ser diferente. Será que finalmente um casal homossexual poderia se beijar no cerne das famílias brasileiras? E o medo de influenciar as crianças? Faltaria ‘Amor à Vida’ ao escritor de tal heresia?
Outro ponto: a capital do Rio de Janeiro ali narrada eram estranhamente branca. Estranhamente sim, mas não surpreendia ninguém – até porque muitos nem percebiam. Na novela que inspirava a festa, um time de futebol sem negros. 45 personagens principais, 3 negros entre eles. A festa apenas refletia a realidade das TVs, que, por sua vez, refletia também a sociedade – e seu racismo. Influenciar e ser influenciado, concomitantemente.
Mas dois convidados ali estavam atentos. Gostavam da festa, é claro, mas não sem deixar de apontar incongruências. “Uma festa no Rio de Janeiro deveria ser assim tão branca?”, questionou Vinícius² à Larissa³, que complementou “E os poucos negros aqui não parecem tão felizes. É quase como se só sobrassem as fantasias de empregados ou pedintes…”
Ao final da noite, depois de rir e chorar, Larissa pensou: “foi uma ótima festa, que nas próximas festeje mais gente”.
Colaboraram:
¹ Profa. Dra. Maria Cristina Palma Mungioli, estuda telenovelas na USP
² Vinicius Lourenço, fã da novela Avenida Brasil
³ Larissa Barbosa, fã da novela Avenida Brasil
*As falas foram inspiradas em entrevistas, não são transcrições diretas.